Conto: Indecifrável

O que sempre me deixou muito irritada é o fato de meus pais serem fumantes. Nunca detestei tanto o fato do cheiro horrível na roupa e o r...


O que sempre me deixou muito irritada é o fato de meus pais serem fumantes. Nunca detestei tanto o fato do cheiro horrível na roupa e o resto de sujeira no gramado do jardim dos fundos. Prometi a mim mesma que nunca fumaria e nem sequer pensaria em casar com um homem fumante. E de repente tudo se foi por água abaixo.

Conheci Diego há pouco mais de um ano. Éramos amigos até eu me apaixonar perdidamente por ele. E o problema estava ali. Ele fuma. Sim, o garoto tem 18 anos e fuma! Tudo bem, isso infelizmente é uma escolha dele, mas eu não permitiria isso até ele mudar de ideia. Talvez fosse impossível. O que custaria tentar?

Ele era meu vizinho. Morava com a madrasta que sempre gostou muito de mim. Vieram de mudança no mesmo ano em que eu o conheci. Começamos a conversar por sobre o muro e então uma vez saímos para almoçar. E foi assim que tudo começou. Era estranho pensar que eu realmente estava gostando dele, mas eu tinha motivos bons afinal ele sempre fora um garoto muito legal e educado comigo.

Esperei até o sol desaparecer e então ouvi o barulho do portão da frente abrindo. Era ele chegando em casa. Abri a janela e então visualizei a cena. Andando com sua mochila cheia de bottons, seu all star imundo, sua camiseta preferida do Avenged, seu jeans rasgado, cabelo bagunçado, braço tatuado, rosto escondido, piercing na boca... E o cigarro na mão.

Sorri quando ele se atrapalhou com as chaves e eu saí de casa para oferecer ajuda.

- Samantha. – murmurou, atrapalhado e um pouco surpreso.

- Não devia estar surpreso. Sempre venho lhe ajudar com as chaves... – ri

- Mentira. Nem sempre.

Os dois rimos e então eu suspirei quando abri a porta facilmente, tentando não respirar muito pelo cheiro do cigarro. Ele entrou e eu fiquei observando-o do lado de fora.

- Entre. – pediu e eu entrei.

Estava vazia e escura. Com o mesmo cheiro que ele tinha na camisa. Era um fedor insuportável, mas ignorei com uma careta. Ele jogou as coisas no sofá e bateu a ponta do cigarro numa travessa pequena em cima da mesa de jantar onde já havia algumas cinzas. Permaneci em pé e desconfortável.

Ele olhou pra mim e parou na minha frente. Apesar de ambos termos 18 anos, ele parecia tão mais velho que eu por eu ser tão pequena. Olhei para seus olhos pretos, escuros e sombrios e tentei decifrar o que se passava na mente dele. Não consegui. Ele era indecifrável. Tinha seus segredos e mistérios e essas eram umas das coisas que eu gostava.

Na verdade a gente não combinava. Eu era uma garotinha que usava vestidinhos rosa floridos e cantarolava Selena Gomez enquanto ele era um garoto que vestia preto e ouvia Heavy Metal. Parece estranho ouvir isso, mas eu sentia algo vir dele. Uma força, uma personalidade forte e isso me deixava forte também.

Ficamos nos olhando por um tempo até ele tirar os fones e guardar seu Ipod.

- E então. Como foi a sua tarde?

- Entediante, como sempre. – respondi, balançando a cabeça.

Ele tirou os cadernos da mochila e olhou pra mim.

- Você não cansa de ficar com tédio?

Dei uma risadinha, mas me impedi de continuar para não criar um clima ruim.

- Odeio não ter nada pra fazer. E você? Como foi no trabalho?

Ele coçou a cabeça e foi pra cozinha abrir uma cerveja.

- Chato, mas pelo menos recebi meu salário. - disse tirando a tampa e jogando no balcão da pia

- Deve ser bom pra você.

Ele assentiu e me ofereceu uma garrafa. Aceitei e tomei alguns pequenos goles. Tinha que me acostumar com aquilo. Eu tinha 18 anos. Não podia ficar tomando suco de morango com gelatina o resto da vida. Beberiquei mais um pouco e olhei para ele, parado no meio da cozinha olhando pra mim.

- Ainda está com tédio?

Balancei a cabeça, timidamente assentindo, e ele largou a cerveja na bancada para andar em minha direção. Chegou perto de mim, segurou meu rosto e encostou levemente seus lábios nos meus. Antes que começássemos a nos beijar, empurrei seu ombro para que ele parasse.

- Achei que queria sair do tédio...

- Não, até você parar de fumar.

Então ele largou os braços ao lado do corpo, confuso me olhando sair pela porta e ir embora.

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Ouvi a campainha tocar e então respirei fundo. Devia ser Diego. Após ter mandando uma mensagem dizendo que queria falar comigo, eu passei o resto da tarde pensando no que poderia ser. Haviam se passado mais de cinco meses e eu ainda lembrava da vez que ele tentara me beijar.

Andei lentamente até a porta e ao abri-la, esperei-o entrar, sem dizer nada. Eu e ele nos sentamos no sofá da sala e permanecemos em silêncio. O que ele queria tanto falar comigo e porque ele fazia tanto mistério? Meu coração disparava de 5 em 5 minutos e eu não aguentava mais tanto mistério.

- Você sabe que eu sou ansiosa. Se quer que eu tenha uma ataque, está no caminho certo.

Ele baixou a cabeça, soltou uma risadinha e quando tornou a me olhar, deu o sorriso mais lindo e jamais visto por mim. Parecia outro garoto, mais maduro. Ele realmente estava feliz e seus olhos brilhavam feito bolinhas de gude. Tive que sorrir junto. Por mais nervosa que eu estava, independente da notícia que fosse, eu estava tão feliz de tê-lo ali comigo.

Acompanhei ele virar seu corpo para mim e fiquei olhando suas tatuagens cobrindo todo o braço, tanto o direito quanto o esquerdo. Adorava todas elas, mesmo sem saber o sentido nem significado. Apenas eram bonitas por simplesmente estarem ali no braço do garoto que eu estava amando. Era incrível como eu ficava boba olhando-as.

Qual era o maldito segredo? Diego nunca tivera um momento desses antes. Ele sempre falava tudo na minha cara, fosse bom ou ruim. Era atitude. E eu o admirava por isso. O que eu sempre quis e lutava para conseguir, ele tinha tão facilmente. Ele devia estar me enganando só para ver a minha reação. Depois começaríamos a rir e tudo perderia o sentido novamente.

Até que ele abriu a boca para falar as primeiras e únicas palavras daquela tarde que mudariamam completamente tudo o que vivemos e viveremos.

- 1 ano atrás eu conheci alguém que me disse adorar minhas tatuagens. Era uma garota muito boba e sempre me ajudou com as chaves de casa quando eu chegava do trabalho. - fitei minhas mãos pousadas no colo e corei - Nunca dei muita bola pra ela até se passarem meses e o tal dia chegar. Tentei beija-la, mas ela não deixou porque eu fumava. – ele fez uma pausa enquanto uma lágrima escorria pelas minhas bochechas rosadas – Agora, eu a amo e por causa dela faz exatamente 5 meses que eu não fumo mais. – se aproximou de mim, e eu finalmente o deixei que me beijasse.

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