Conto: Intercâmbio

E ali estava eu, a procura de um garoto perfeito. Eu sabia que era impossível, mas tentaria mesmo assim. Era inútil perder tempo com uma ...


E ali estava eu, a procura de um garoto perfeito. Eu sabia que era impossível, mas tentaria mesmo assim. Era inútil perder tempo com uma coisa daquelas. Era melhor ficar em casa assistindo filme do que ir numa corrida de carros. Eu nem estava me divertindo ali, então acharia algo para me entreter.

Meus pais se sentaram na arquibancada e eu os acompanhei, sempre olhando para os lados. Minha situação crítica naquele momento era algo horripilante. Eu me encontrava toda suada, lambuzada de protetor solar, com um boné horroroso que prendia meus cabelos castanhos emaranhados e uma roupa um pouco descente.

Foi assim que eu abri o meu domingo com chave de ouro. A arrancada ainda não tinha começado, decidi então comprar um refrigerante para me refrescar naquele calor infernal. E no mesmo segundo algo faiscou nos meus olhos. Ergui a cabeça, tentando agir naturalmente e entrei na fila. Com o dinheiro já amassado nas mãos suadas, esperei o tempo passar vagarosamente.

Seus cabelos loiros brilhavam no sol e uma franja levemente repicada cobria metade do rosto de uma forma sutil e encantadora. Seus olhos verdes combinavam com sua camisa de mesma cor e sua bermuda musgo tinha um comprimento que deixava grande parte das pernas brancas a mostra. Com um tênis importado e sorriso fofo, o garoto entrou na fila atrás de mim e voltou a conversar com seu amigo. Ele era alto e tinha uma elegância sobrenatural. Por trás da roupa larga e solta ele mantinha um jeito meio descontraído e tímido, que dava um ar de suspense que eu gostava.

Respirei fundo, comprei o refrigerante e fui para a arquibancada me encontrar com meus pais. Sentei um degrau à frente e me preparei para assistir os carros começarem a largar. Era entediante, porém tirava o meu tédio do final de semana além de ter visto o garoto mais fofo da face da terra bem na minha frente.

Os carros começaram a correr e eu coloquei meus óculos de sol. Estava bem quente. Era a recém uma hora e meia e estávamos virando torrada. Na verdade, estava insuportável. Eu estava tentando melhorar a situação constrangedora que eu passei e não havia como ter um momento pior que o meu até que os dois garotos se sentam a três degraus na minha frente.

Eu me abanava com um pedaço de papel propaganda e já havia passado da hora de eu me matar. Devia estar um lixo, toda feia e qual deles se interessaria por uma garota como eu? Deviam ter no mínimo uns 19 anos e eu ainda nos meus 16 torcia para receber uma olhadinha de um dos dois. Claro que o loiro me chamava mais atenção, mas o moreno também era fofo.

Havia se passado apenas uma hora e eu continuava a morrer de tentação a cada espiadinha que eu dava para os garotos. O homem que narrava a corrida anunciou uma pausa e meus pais começaram a me perguntar se eu tinha gostado do evento e se nós poderíamos vir mais vezes. Mas eu estava focada em outra coisa mais importante e que me deixou louca quando me toquei de que era real.

Os dois garotos se levantaram e vieram sentar no degrau abaixo de mim. Eu estava desligada e não percebi se eles haviam lançado olhares fofos ou com segundas intenções então apenas disfarcei que ia passar protetor solar no rosto e revirava os olhos constantemente atrás das lentes escuras.

- Idiota, idiota, idiota. – repetia o tempo todo.

Minha mãe me convidou para comprar um lanche e eu a acompanhei. Na volta, ao sentar novamente ao meu devido lugar, percebi que os meninos estavam sentados no mesmo degrau que o meu. Ou seja: ao meu lado. Foi o momento de eu entrar em desespero. Tentei relaxar meus músculos e sentar de um jeito confortável que chamasse a atenção dos dois.

Sabia que era em vão e que eu sairia dali sem conseguir uma palavra sequer, então me importei mais com os carros do que com os outros que passavam ou sentavam ao meu lado. Ao longo da corrida, eu ouvia a conversa dos dois sem me importar muito até perceber que meus pais não estavam mais ali. Ótimo. Agora eu estava sozinha e não sabia como sairia dali antes que alguma coisa drástica acontecesse.

E então percebi que eles olhavam pra mim. Com interesse. Tipo, eu estava sozinha e perdida e aqueles olhares me davam um frio na barriga que se misturava com uma dor no estômago de nervosismo. Era uma chance só que eu tinha. Valeria a pena? Esperei um dos dois começarem a conversa enquanto eu secava o suor da minha testa e o loirinho iniciou com um ‘oi’ engraçado.

- Oi. – respondi, ainda meio confusa, timidamente.

Os dois trocaram um olhar e sorriram docemente. Estava dando certo.

- Posso saber seu nome?

Dei uma risadinha e assenti, murmurando meu nome.

- Então, Bruna, quer tomar um sorvete com a gente? – sugeriu o garoto com um largo sorriso brilhante.

Sem esperar, me levantei acompanhando-os até o quiosque. Eles pagaram um sorvete pra mim e nos sentamos num dos bancos longe do movimento de pessoas. Começamos a conversar sobre a corrida. Era interessante como os garotos gostam de falar sobre carros. Eles estavam ali justamente para observar os pneus e a potência dos motores. Como eu não entendia nada do assunto, apenas concordava e dava leves risadas.

- E vocês? Falem de vocês agora. – troquei de assunto.

- Acabamos de voltar de Oxford. Estávamos estudando lá e viemos passar as férias no Brasil. – respondeu o garoto moreno.

Pisquei algumas vezes sem conseguir respirar. Oxford? Férias no Brasil? De que mundo eles eram mesmo? Ricos, lindos e inteligentes. Essa era a melhor descrição para os dois garotos que estavam sentados na mesma mesa que eu, tomando um sorvete ao som de David Guetta e batendo um papo sobre aquela tarde ensolarada. Não consegui acordar.

- Vocês devem ter 19 anos, acredito eu.

Os dois sorriram e assentiram. Sim aquele era um sonho e eu faria de tudo o possível para demorar a acordar. Estava bom demais para ser verdade.

- Me chamo Thomas e este é o Eduardo. – disse o garoto loiro, o tal de Thomas.

Encarei seus olhos verdes por alguns breves segundos e senti que ele me olhava de um modo diferente. Terminei meu sorvete e andei até o lixo para jogar fora o guardanapo quando sou esmagada na parede por ele. Thomas pegou meu rosto e me beijou forte. Correspondi-o no mesmo instante, com medo de perder aquele final de semana perfeito.

Como se fosse feito para estragar aquele pensamento positivo, meu celular tocou. Atendi, revirando os olhos e o garoto, sorrindo, me deu um último selinho de adeus e saiu andando com seu amigo para longe. Meus pais estavam a minha procura e então fui para casa de cabeça baixa com eles sem antes receber um adeus.

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A notícia de que voltaríamos amanhã para o encontro de corredores era ótima. Nem parecia que já havia se passado uma semana desde o dia em que eu beijara aquele garoto, Thomas. ­­­­Havia quase me esquecido daquele maravilhoso e surpreendente momento até chegar ao tão esperado local. Estava tão cheio quanto naquele dia. Seria difícil acha-lo, mas não impossível. Eu tentaria de tudo para reencontrá-lo e seria incrível se tudo acontecesse novamente.

Mas eles não estavam lá. Lembrei-me do que eles tinham dito algo sobre passar um tempo com a família no Brasil e depois voltar para a universidade de Oxford. Então eles já haviam partido. Não havia esperanças, eu estava apenas perdendo tempo ali. Meio triste e cabisbaixa, voltei em direção aos meus pais e passei toda a minha tarde de cabeça baixa lembrando dos bons momentos enquanto eles ainda estavam frescos na minha memória.

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Finalmente a formatura. Eu estava formada em Design e estaria de féria no dia seguinte. Não acreditava. Era maravilhoso imaginar passar um ano inteiro apenas descansando, viajando, conhecendo pessoas, visitando lugares... Fechei os olhos e entrei no carro. Ao ligar o motor pensei num lugar bom para me divertir e ao mesmo tempo olhar alguns garotos. Não teve outra. Logo eu estava dirigindo ao famoso Centro de Competições e Arrancadas. Era ótimo lá e além do mais eu encontraria muita gente legal.

Estava cheio de pessoas bonitas, como sempre. Escolhi um lugar bom para me sentar e observar as pessoas passando quando fui surpreendida por um garoto. Seu rosto me parecia muito familiar, até demais. Sabia que já havia o visto em algum lugar e que nós éramos próximos, talvez. Seu sorriso lindo se abriu quando eu arregalei os olhos.

- Thomas! – gritei e ele me segurou no colo me recebendo com um beijo caloroso.

Agarrei seus cabelos loiros e respirei fundo seu perfume cítrico. Ele estava sozinho. Segurei minha bolsa e então nos sentamos na mesma mesa onde tudo havia começado. Era tão bom sentir tudo aquilo misturado. Tantos sentimentos confusos que ao mesmo tempo me deixavam alegre... Eu queria saber de tudo o que havia acontecido, queria perguntar se ele havia sentido a minha falta e se ele estava bem.

- Achei que tinha voltado para Oxford. – comecei, ansiosamente.

- Mas eu voltei pra lá para me formar. Agora estou de volta. – falou, orgulhoso.

Eu não sabia se ria, se chorava ou se gritava para o mundo o quanto eu havia sentido a falta daquele garoto. Seus olhos verdes acompanhavam os movimentos que eu fazia, sua boca molhada esperava pela minha e tudo o que eu sabia é que tínhamos que ficar juntos. Pertencíamos um ao outro.

- E onde está seu amigo, Eduardo?

- Ficou por lá. Achou um emprego bom e uma garota para ele. Eu decidi deixa-lo.

Franzi a testa e percebi que ele, no fundo, sentia muita falta do amigo.

- Porque você voltou?

- Pra buscar você.

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