Conto: Interior

Fazia tempo que eu não via minha família do interior. Tudo bem que eumorava no centro da cidade e que era longe para ir todo o final ...


Fazia tempo que eu não via minha família do interior. Tudo bem que eumorava no centro da cidade e que era longe para ir todo o final de semana, mas eu precisava vê-los novamente. Eu estava sozinha naquele apartamento com meu padrasto fazia mais de cinco anos. Já era hora de rever os familiares e responder as famosas perguntas de como estava a escola e se eu estava namorando.

Pra minha sorte, eu sempre estava solteira. Nenhum garoto da cidade era bom o suficiente ou tinha o mesmo interesse por mim. Tudo bem que eu não era tão chamativa quanto a minha amiga, mas, por favor! Eu não merecia morrer sozinha afinal todo mundo tem o direito de ter a companhia de alguém pelo menos uma vez na vida.

E, finalmente, consegui convencer Leandro a me levar para visitar nossos parentes de longe. Ele não conhecia ninguém de lá, mas o que importava era a união e a saudade. Eu não me lembrava de quase ninguém. Fazia tempo mesmo, mas naquele final de semana tudo mudaria.

Preparei minhas malas. Ficaria uma semana e depois voltaria para casa devido à prova final do colégio e a tão esperada formatura. Pelo menos eu poderia me divertir e tirar um tempo de folga. O interior era bom para descansar e respirar um ar puro. Ainda por cima eu provavelmente aprenderia a tirar leite da vaca e ainda veria lindos girassóis.

Ali estava eu, saindo do carro, sendo recebida por pessoas que eu mal lembrava. Ainda eram desconhecidos pra mim. Demoraria a me acostumar, mas nada que me impedisse de fazer novas amizades. Despedi-me de Leandro e suspirei. Era a hora.

- Vamos, Júlia, não é tão difícil. Você vai conseguir. – sussurrava, tentando me convencer que agora eu não podia mais voltar atrás.

Uma senhora mais velha de cabelos tingidos com um tom engraçado de vermelho se aproximou de mim e me acolheu num abraço. Sua pele velha e cheia de rugas roçou na minha bochecha e me fez cócegas. Como era bom poder ter aquela sensação. Olhei em seus olhos verdes, os mesmos da minha falecida mãe, e sorri.

- Como você está grande... – observou minha tia, passando seus dedos grossos pelos meus cabelos sedosos.

- Meu Deus, esse tempo passa muito rápido. Com quantos anos você está agora, minha querida? – perguntou meu tio que vinha de dentro do chalé com um charuto na boca.

- 17. – respondi com uma risada tímida.

Com certeza eu devia estar corada de vergonha. E não tinha ninguém ali para me dar cobertura dizendo que era o sol ou que estava calor. O sotaque do interior era chamativo. Me deixou confortável. Olhei ao redor e vi uma plantação gigante de girassóis, bem como eu imaginava. Do outro lado um lago enorme e, bem ao longe, uma grande arvore que fazia uma boa sombra.

O chalé não era grande, mas tinha um espaço decente para aquela família. Um quarto de casal , uma pequena sala com sofá e lareira e uma mesa com quatro cadeiras. Ao longo do corredor encontrei um mini banheiro e um quarto de solteiro. Havia mais alguém morando com eles naquela casa? Larguei minhas malas naquele quarto, sem perguntar, e fui pra cozinha de onde sentia um cheiro delicioso de carne na panela.

- Vamos almoçar daqui a duas horas. Gosta de carne na panela, né? Sua mãe me dizia que é seu prato favorito. – comentou minha tia enquanto eu chegava perto do fogão.

Balancei a cabeça, assentindo. Como era difícil lembrar da minha mãe daquele modo. Com um nó na garganta, saí da casinha e parei em frente ao lago. Minha vontade era de me jogar ali e passar a tarde toda nadando e me refrescando naquela água. Parecia limpa. Tirei os tênis de lado e coloquei os pés. Aos poucos, eu já estava dentro mergulhando.

- Ei! Não acha melhor tomar banho na cachoeira?

A voz masculina me deixou assustada. Olhei à minha volta e não tinha nada que pudesse me cobrir. Eu estava de roupa molhada e transparente em baixo da água e aquilo não estava ficando nada agradável. Com um grito eu corri para fora da água onde o garoto segurava uma toalha. Peguei-a e me cobri enquanto ele ria.

Foi a vez de eu conseguir ter a primeira imagem dele. Era alto, bonito, forte e tinha os mesmos olhos verdes de minha tia. Com cabelos negros e bagunçados, ele estava suado e meio sujo. Aquele era meu primo? Meu Deus, de onde era aquela família? Porque todos eram lindos e eu era daquele jeito? Não consegui encontrar palavras pra formar uma frase então só pisquei e olhei-o com cara de retardada.

- Você deve estar com frio. Venha, pegue a toalha e vamos almoçar. – disse me ajudando a voltar para o chalé.

Como era o nome dele? Eu teria que lembrar para não pagar o mico depois. Era parecido com o do meu pai, Walter... Algo como Wagner. Acho que era isso. Sentamos à mesa e começamos a comer. A comida estava maravilhosa. As tão esperadas perguntas foram respondidas e ambos os três ficaram surpresos por eu estar solteira. É... vida triste a minha.

- A mochila que está no meu quarto é sua? Pode ficar com a cama. Eu durmo no sofá. – disse Wagner entrando no quarto de solteiro onde estava a minha colorida mala da Hello Kitty.

- Sim. Não se preocupe. Vou tirá-la dali. – murmurei e peguei a mala, colocando-a no chão, ao lado de um violão.

Certo. Haviam muitas coisas ali que eu ainda não sabia. Talvez ele pudesse esclarecer algumas enquanto eu estivesse ali. Por onde poderíamos começar?

- Bem... Talvez, você não lembre de mim... Sou Wagner, seu primo mais velho, do interior. – começou, sentando-se na cama e pegando o violão.

Seu sotaque era fofo. Balancei a cabeça e ajoelhei-me ao lado da janela para ficar observando a paisagem enquanto ele dedilhava algumas músicas. O som era lindo. Tudo era lindo.

- Eu sei. E eu sou Júlia, sua prima mais nova, da cidade. – brinquei, usando as mesmas palavras que ele usara.

Ele balançou a cabeça num movimento rápido enquanto cantarolava. Quantos anos mais ou menos ele devia ter? Talvez 18, no máximo. Fiquei tão dispersa na sua beleza e na sua voz que nem percebi quando ele fez uma pergunta. Pisquei algumas vezes e pedi para ele repetir, devido à minha desatenção.

- Não vai começar com as perguntas? Não vai dizer que odeia aqui porque que não tem internet e que não vê a hora de voltar pra casa? – perguntou, surpreso.

Levantei as sobrancelhas.

- O que? Não. Claro que não. Adorei aqui. É maravilhoso.

- Que bom que gostou. Quero te mostrar algumas coisas então. – disse e largou o violão de lado para puxar minha mão para sairmos da casa.

Seu toque macio na minha mão me deixou mais relaxada e tranquila. Eles eram minha família, eu não devia ter medo. Só devia aproveitar ao máximo as minhas miniférias o quanto eu podia. E aquilo não seria nem um pouco difícil ao lado de um primo que me fazia esquecer até de respirar.

Ele me levou para um campo enorme que me deixou encantada e ao mesmo tempo surpresa. O campo de girassóis. A paisagem era linda e combinava muito com aquele momento entre nós. Minha mão ainda estava sendo envolvida pela sua grande e quente e nossas respirações estavam lentas e pesadas. Acalme-se, Júlia. Ele é seu primo...

Ignorei aquele pensamento. Apenas deixaria o vento levar. Que o verão fosse maravilhoso e que eu aproveitasse o máximo possível. Sorri sozinha e ele olhou pra mim, com um sorriso fofo nos lábios carnudos. Corei e virei o rosto para observar mais o campo. Muitas árvores, plantações... O sol deixava tudo mais alegre, as cores mais vivas, os pássaros animavam o ambiente e as folhas balançavam no ritmo da batida do meu coração.

Revirei os olhos e deixei que aquilo ocorresse com tranquilidade e naturalidade. Ele soltou minha mão e começamos a andar em direção à plantação de girassóis. Tinha que inventar alguma coisa para acabar com a tensão. Não precisei pensar muito. Bati no seu ombro, gritei e saí correndo para o meio das plantas.

Foi uma cena engraçada. Ele, no mesmo segundo, ficou sem saber o que fazer, mas saiu correndo atrás de mim. Depois que ambos entramos entre as folhas, não sabíamos mais onde era a saída. Gritávamos e corríamos como se fossemos crianças. E de repente, algumas memórias vieram à minha cabeça. Duas crianças correndo na mesma plantação de girassóis. Sempre fora assim.

Eu, cansada, continuava correndo. Não sabia onde ele estava, mas ainda mantinha o grito agudo fingindo desespero. E, do nada, sou atropelada por seu corpo pesado e caímos no chão. Um ao lado do outro começamos a rir e nossos rostos estavam muito próximos. Se fosse naquele momento, seria maravilhoso. Mantive os olhos abertos para não perder nenhum detalhe.

Fomos aproximando mais e nossos lábios quase se tocavam. Por um momento eu até tinha esquecido que éramos primos e que aquilo era proibido. Não me importava com o que ia acontecer em seguida. Só queria que fosse marcante e que nenhum de nós esquecesse. Não consegui. Virei o rosto e fiquei olhando para o céu enquanto ele soltou uma risadinha gostosa.

Deite-me de lado e encarei-o, com um olhar malvado. Passei o dedo por seus lábios, provocando-o e me levantei para procurar a saída. Ele me seguiu logo e eu senti que ele tinha gostado e que correria atrás de mim assim que conseguisse. E que eu me renderia aos seus toques. Passei pelo lago e entrei no chalé como se nada tivesse acontecido.

Entrei no quartinho e peguei um livro na minha mala. Wagner estava lá fora. Fui até ele e andamos até a árvore grande. Era ótimo lá. O vento era fresquinho, a sombra era boa... Sentei e ele ficou ao meu lado. Consegui ler as três primeiras linhas e não consegui me concentrar em mais nada. Só no seu corpo. Seus braços em volta da minha cintura, sua boca na minha...

Ele deve ter sentido a mesma coisa. Estava tão desconfortável quanto eu. Sentia que algo precisava ser feito e se não fizéssemos, ficaríamos arrependidos. Se ao menos não tentássemos, como iríamos saber se isso podia dar certo? Larguei o livro de lado e inclinei meu corpo ao dele. Ele segurou meus braços, para que eu não fugisse, e colou seus lábios nos meus com tanta pressa que me deu vontade de arrancar aquela camisa suada e molhada dele.

Subi por cima do seu colo e me agarrei em seus cabelos, segurando seu pescoço pra mais perto, dando leves mordidas enquanto ele me beijava. Não, naquele momento nós não éramos primos. Sim, eu estava gostando disso tanto quanto ele. E cada segundo que se passava parecia uma eternidade ao seu lado. Com uma risada, me separei lentamente para que pudéssemos respirar e voltar para ao chalé e ele me lançou um sorriso um tanto malicioso.

Já era tarde. Meus tios estavam na sala conversando quando entramos em silêncio para tomar um banho, trocar de roupa e ir dormir. Pareceu bastante natural para nós. Preferi não ficar muito tempo em contato com eles e corri para o quarto. Nos olhamos uma última vez antes de ele pegar suas coisa e sair. Me contentei com aquilo e apenas me impedia de gritar e me convencer de que aquilo era mesmo verdade.

De banho tomado, eu estava deitada na cama macia dele quando a porta se abre. Levantei o olhar pro garoto e ele se sentou ao meu lado. Não podíamos nos agarrar ali, ainda mais porque a qualquer momento alguém poderia surgir e nos descobrir. Será que ele havia gostado e achado tão inesquecível quanto eu estava achando? Ou será que aquilo era só bobagem vinda da cabeça de uma menina de 17 anos?

- Eu adorei a tarde de hoje. – comecei, com a voz trêmula. – E você?

- O que você acha? Tenho 22 anos e nunca tive uma tarde tão maravilhosa quanto a de hoje. – riu.

Me engasguei com as palavras e me perdi completamente. Espera! Vinte. E. Dois. Anos. Wagner era tão velho assim? E eu tinha apenas 17. Aquilo soava estranho. Ele era tão velho pra mim. O que iria querer comigo? Abaixei a cabeça e esperei ele começar a rir da minha cara como se eu fosse uma criança imbecil correndo atrás do seu ídolo.

- Vou deixar você descansar. Foi uma viagem cansativa até aqui. Durma bem, minha princesa dos girassóis. – sussurrou em meu ouvido e beijou de leve meus lábios, enquanto eu fechava meus olhos e adormecia profundamente.

Princesa dos girassóis. Aquilo fora um sonho. Abri os olhos e os raios de sol me cegaram completamente. O galo começava a cantar e eu já ouvia os passarinhos cantarem alegremente. Não fora um sonho. Levantei rapidamente, com um sorriso nos lábios e corri para a sala. Titia estava servindo o café enquanto meu tio lia o jornal. Olhei para o sofá e nada. Peguei uma torrada e os dois perceberam quem eu tanto procurava.

- Ele acordou cedo e foi andar a cavalo. Deve estar lá depois daquela árvore grande ali, sabe? – disse minha tia apontando para o local que eu nunca mais esqueceria.

Assenti, agradecendo e corri o mais rápido que eu consegui. Passando a árvore encontrei uma grande estrada de terra de onde eu ouvia passos. E logo mais, ouvi a voz doce, tão esperada. Andei um pouco mais e encontrei-o montado em um lindo e brilhante cavalo negro que galopava sobre algumas pedras e poças d’água.

- Bom-dia, minha princesa. Dormiu bem?

Fechei os olhos e esperei ele descer do cavalo e vir até mim com o tão esperado beijo. Quando reabri encontrei o seu sorriso. Ele estava lindo, como sempre. Abraçou minha cintura e respirou fundo. Eu, ainda com dificuldade de voltar aos batimentos cardíacos normais, assenti e sorri debilmente. Ele era tão perfeito pra mim. Eu não o merecia.

- Vamos dar uma volta a cavalo. Eu ajudo você a subir. – falou e me ajudou a subir no cavalo manso.

Logo, ambos estávamos em cima do cavalo e ele deu a partida. O vento batia em meus cabelos me fazendo sentir livre. Ele pegou um caminho que eu não conhecia. A estrada de terra nos levava a um lugar que logo reconheci. A cachoeira. Descemos e eu fiquei admirada com a beleza da combinação de efeitos da natureza. Parei em pé e deixei que ele me envolvesse.

Seus lábios já estavam em meus pescoço. Tirei os tênis e ele tirou sua bota de plástico. Andamos para dentro da água e ele me segurou forte. Olhei fundo em seus olhos e nos beijamos com mais ternura. Ainda sob efeito do beijo, cravei as unhas em seu peito e rasguei sua camisa, arranquei aqueles panos que me atrapalhavam. Ele fez o mesmo, sem rasgar minha blusa de rendas.

Entre beijos e mordidas, nós mergulhávamos na cachoeira e nos abraçávamos. Eu me agarrava em seu corpo, seu peito nu e ele me acariciava. Estávamos loucos um pelo outro. Queríamos mais e mais um do outro. E que aquele momento não acabasse nunca. Fosse maravilhosamente eterno, sem a família para nos julgar dizendo o que é certo e o que é errado.

E aquele foi o segundo dia. Estávamos a recém começando, mas logo já seria a hora de eu ir embora. Eu voltaria pra cidade, com os meus amigos e estudos. Ele ficaria na fazenda sozinho com os pensamentos ocupados em somente uma coisa: eu. Eu seria capaz de deixar ele? Ele ficaria triste, ferido. Afinal, eu também ficaria sem uma parte de mim.

Leandro veio me buscar. Foi difícil dizer adeus. A cidade grande não era mais a mesma coisa. Não tínhamos como entrar em contato. Entrei em casa e a única coisa que eu tive que fazer foi estudar e estudar. A prova seria em um dia e eu ainda não tinha conseguido tira-lo de minha mente.

Prova gabaritada e convites de formatura na mão, eu achei melhor deixar a festa de lado. Não tinha mais a mesma graça de antes. Tudo perdera o sentido. Comecei a valorizar mais a natureza e parei de me importar tanto com internet, celular, televisão e festas. Existia algo melhor para ser a razão do meu viver, mas esse algo estava longe demais para me poder fazer feliz novamente, como da primeira vez.

Coloquei meu vestido, meu sapato e me juntei com meus colegas da turma para subir ao palco. Ao receber meu diploma, um sorriso forçado se encontrava em meu rosto. Eu ainda tinha razões para viver, mas nenhuma delas era o suficiente pra me manter de pé. Eu estava caindo cada vez mais. Desci as escadas e um grito me fez arregalar os olhos.

- Júlia!

Do meio da multidão de pais de alunos, eu reconheci aquela voz e nada me deixou tão feliz quanto só ouvi-la.

- Wagner?!

E pra não bastar, ali estava ele. Fui acolhida perto de seu corpo outra vez e o medo já não estava mais em mim. Seu beijo me alegrou, seu toque me acordou, tudo me deixou mais viva e forte.

- Venha. Vamos sair daqui. – sussurrou e pegou minha mão para me guiar no meio de tanta gente.

Saímos do auditório e corremos para o estacionamento enquanto ele tirava a chave do carro do bolso. Era uma caminhonete. Tirei meus sapatos, subi e me sentei ao seu lado. Ele deu a partida e fomos em direção à fazenda. Eu estava cansada, mas feliz. Não haveria formatura mais perfeita que aquela. Nunca. Até ele parar o carro e pedir para descer.

- O que aconteceu?

Andei para trás do carro onde ele estava agachado olhando alguma coisa ali embaixo. O pneu tinha furado? Eu não entendi nada de carros, caminhonetes, mas não parecia algo tão grave. Tentando ajudar, me aproximei, mas ele me olhou e sorriu.

- O que...?

- Ontem à noite, eu conversei com meus pais e com seu padrasto e eles não acharam nada mal se...

Meu coração acelerou de uma forma que quase pulava para fora da garganta. Olhei a nossa volta e haviam lampiões acesos e pétalas de rosas no chão. Tudo fora perfeitamente armado para nós.

- Está falando sério? – balbuciei.

- Sim. – disse ficando de joelhos.

- É claro que eu aceito! Eu te amo.

Ele sorriu e me abraçou forte.

- Eu te amo também.

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