Conto: Escondido

Aquilo era engraçado. Eu andava com ele por onde eu quisesse e voltava só à noite pra casa e meus pais não sabiam de nada, mas continuava...


Aquilo era engraçado. Eu andava com ele por onde eu quisesse e voltava só à noite pra casa e meus pais não sabiam de nada, mas continuavam dizendo que ele não era uma boa companhia e era melhor manter distância. Do que eles estavam falando? Nunca conversaram com ele para saber o quão especial e inteligente ele era. Continuaria saindo com ele até que meus pais descobrissem e me colocassem de castigo. Até lá, demoraria um bom tempo.

Eu estava deitada no chão sobre minha colcha roxa, lendo o resumo de um livro para o vestibular quando ouvi algo vibrar sobre minha cômoda. Levantei-me, ainda de pijama e cabelos desengrenados e procurei pelo meu celular na bagunça. Era uma mensagem dele. Com um sorriso, larguei tudo de lado e não precisei responder. Ele sabia que eu desceria para encontrá-lo. Ele estava lá em baixo me esperando.

Vesti um jeans, meu all star branco e minha blusa xadrez lilás e saí do quarto. Meus pais assistiam filme na sala. Não quis incomodá-los, então peguei a chave e saí de casa sem fazer o mínimo barulho. Desci as escadas correndo e ao chegar ao corredor de piso vermelho, ali estava ele com aquele sorriso lindo. Corri para abraçá-lo e, por um tempo, ficamos em silêncio.

- Hoje tem encontro dos jovens ali no ginásio. Você vai?

Ele levantou o canto dos lábios num sorriso torto que me fez assentir. Ele estaria lá, então eu estaria também. Não sabia por que aquele sentimento era tão forte, mas era bom senti-lo quando tinha alguém ao seu lado que a amava tanto. Andamos um pouco e nos sentamos num dos bancos do corredor.

Peter era um garoto fofo. Na verdade, nem mais garoto era. Tinha quase 20 anos e eu apenas 18. Ele era como se fosse um príncipe. Fazia de tudo para que eu continuasse ali com ele não importava o quanto nós pagaríamos para ficarmos juntos. Eu, no fundo, sentia algo intenso por ele, mas porque eu admitiria aquilo? Eu tinha medo de ter que enfrentar tudo depois. Eu precisava passar no vestibular antes de me apaixonar e esquecer completamente os estudos.

Me dissera que não importasse até quando, ele sempre estaria ali ao meu lado, esperando eu me render novamente e voltar aos seus braços. Mas eu nem tinha me rendido ainda. Quando aquele momento iria acontecer? Meus amigos também não sabiam de nada. Eu estava escondendo de todo mundo. Como eles reagiriam à notícia depois que tudo já tivesse acontecido? E porque diabos eu era tão medrosa?

- Por que está assim? Tem algo afligindo você?

Soltei uma risadinha. Havia esquecido o quanto ele me conhecia. Isso era tão bom. Nem meus amigos eram assim comigo. E eu não escondia nada dele. Balancei a cabeça. Eram apenas pensamentos bobos vindos de uma cabeça muito ocupada. Ele abraçou meus ombros, me acalmando. Fechei os olhos e me lembrei que os jovens logo chegariam para o encontro e nos veriam ali, juntos. E a notícia se espalharia da maneira errada e eu estaria ferrada para sempre. Não seria assim que meus pais descobririam sobre nós.

- Acho que a gente deve se separar agora.

Ele abaixou a cabeça num simples movimento triste e concordou. Aquela era a única coisa que nos incomodava tanto. Não poder agir normalmente na frente das pessoas. Tínhamos que nos encontrar escondidos. Não era legal. Nos levantamos e eu murmurei um 'tchau' engasgado. Minha garganta estava seca demais para falar outra coisa. Me aproximei do bebedouro, deixando-o ali parado e tomei algumas gotas de água que desceram refrescando minha garganta.

E foi ali que tudo aconteceu rápido demais. Não havia ninguém por perto, nem no corredor. Ele puxou meu braço e com o impulso eu fui parar perto demais do seu corpo. Nossas respirações ficaram pesadas e seus olhos encontraram os meus. Por um breve segundo não tive reação, apenas sabia que aquele momento era o escolhido. Fechei os olhos e, então, nos beijamos. E aquilo fora mais um dos nossos mil segredos.

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Faziam mais de dez meses que tínhamos ficado pela primeira vez e desde aquele dia apenas minha melhor amiga sabia de tudo. Sim. Eu continuava com medo de sair contando para algumas pessoas que depois não saberiam guardar aquilo para si mesmo e sairiam espalhando como se fosse propaganda na sinaleira. Peter e eu ainda nos víamos com frequência e andávamos ficando há algum tempo, ainda sem compromisso algum por insistência minha.

Chegara uma hora que aquilo começou a me irritar. Eu queria andar por aí abraçada com ele e conversar com meus amigos sobre nossos momentos juntos. Minha amiga insistira que eu devia começar algo sério com ele e o que ela disse ficou tão preso na minha mente que tive que pensar melhor. O que eu diria aos meus pais? 'Olha mãe, sabe o Peter? Então. Eu estou ficando com ele há mais de 10 meses escondido. Eu queria saber uma coisa: a gente pode namorar?' E o que eles diriam? Tinha certeza que a confiança seria uma das próximas coisas que eu perderia.

E foi aí que eu tive a força de vontade de ir conversar com ele e pedir sua opinião já que estaríamos juntos por um bom tempo. Coloquei um casaco e saí de casa ao seu encontro. Surpreso com a minha vinda inesperada ele sorriu e nos abraçamos. Haviam algumas pessoas passando pelo corredor e eu não queria fazer aquilo da pior forma. Limpei a garganta e sentei ao seu lado, no mesmo banco onde tudo acontecera e onde tudo continuaria a acontecer, se tudo desse certo.

- Eu não quero esconder mais nada de ninguém. Se for real o que sinto por você, quero que os outros vejam a nossa felicidade quando estamos juntos. - falei, com a voz trêmula.

Ele balançou a cabeça concordando. Aquela conversa não havia sido começada de um bom modo. Precisava deixar tudo mais calmo antes que ele ficasse triste demais a ponto de querer me esquecer, assim como eu já tentara. Ele abriu a boca e sua voz também falhou.

- O que seus pais vão dizer?

Era isso. Ele estava preocupado com meus pais e não com o que eu estava pensando sobre o assunto. Ele lidaria com tudo, menos com meus pais. Escondi um sorriso para manter a conversa séria. Tudo acabaria bem. Não precisávamos de um vidente para saber sobre o nosso fim.

- Não. Não se preocupe com isso agora. Primeiro, quero que você me entenda. Depois iremos pensar em como lidar com meus pais.

Um sorriso lindo e largo surgiu de seus lábios.

- É claro que eu entendo você. Você já sabia que não importa o que aconteceria, eu sempre estaria aqui esperando isso acontecer. - disse e se levantou para ficar na minha frente.

Franzi a testa. Não, não, não! Ele não iria fazer aquilo na frente de todo mundo.

- O que está fazendo?

- Estou propondo à minha princesa a vida mais feliz da sua vida ao lado do seu príncipe encantado que vai levá-la ao palácio onde morreremos juntos, um ao lado do outro. O que acha?

- Acho que essa princesa tem muita sorte, mas não estou vendo nenhuma aqui.

Ele revirou os olhos e sorriu.

- Você vai namorar comigo ou não? - brincou mexendo nos meus cabelos loiros.

Não precisei responder. Minhas palavras se perderam em seus lábios que foram ao encontro dos meus e não importava quantas pessoas estivessem passando ali não me fariam sentir tão louca quanto naquele momento. Eu estava feliz, com o homem da minha vida e nem meus pais me impediriam de continuar aquela história que obviamente teria um final feliz, assim como nas história que eles me contavam toda a noite.

E eles viveram felizes para sempre. Fim.

(Para Gabriele)

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