Conto: É só um sonho

Sim. Eu sonhei. Foi real, muito real. Ele estava próximo de mim e então nos beijamos. Foi algo chocante, mas não me impediu de acordar ma...


Sim. Eu sonhei. Foi real, muito real. Ele estava próximo de mim e então nos beijamos. Foi algo chocante, mas não me impediu de acordar maravilhada. Ainda não sabia se era apenas sonho ou se aquilo realmente acontecera. Mas algo prendeu minha atenção. Eu não o reconheci. Não vi seu rosto e por mais que tentasse lembrar, não conseguia. Eu dissera seu nome. E só o que restava em minha mente era aquele beijo.

Estávamos acabando de voltar do feriado do dia das crianças com o dia dos professores e eu permanecia pensando no sonho. Minha cabeça viajava em possíveis nomes e rostos conhecidos, mas apenas uma névoa habitava em mim. Escrevi tudo no meu diário. Precisava continuar pensando. Eu não desistiria tão fácil. Nunca fora uma garota que desiste de tudo. Tentaria até o final.

Emelly tentou me ajudar. Escrevemos os nomes de todos os garotos do colégio que eu possivelmente poderia ter um relacionamento e nenhum deles se encaixava nos traços do menino do sonho. Parecia um aviso, como se aquilo viesse a acontecer mais tarde. Como se o meu príncipe fosse chegar a qualquer momento.

Mas o nosso momento seria traçado no bar da escola? Ao lado da minha amiga e na frente dos meus colegas? Comendo batatinha frita e hambúrguer de carne e queijo com gergelim? Aquele seria o nosso dia? Eu estaria de uniforme, com minha mochila e meus cadernos, comendo e então ele chegaria e nos beijaríamos. O que eu estava pensando? Devia ser apenas um sonho. Nenhum príncipe encantado chegaria assim. Ainda mais em mim.

Meus pais estavam na sala olhando Sessão da Tarde quando cheguei para pegar um dos pastéis de carne que eles estavam comendo. Fui para o escritório e me abaixei para pegar meu diário, embaixo da estante de livros velhos. Ali estava ele, empoeirado, mas ainda com o brilhante cadeado rosa. Tirei meu colar para usar a chave e me sentei no chão, me preparando para começar a escrever.

Como começaria? 'Querido Diário...'

...Hoje foi um dia estranho. Continuei pensando no garoto dos meus sonhos. Será que ele pode ser real? Acho que isso foi um aviso para mim, dizendo que eu não estaria mais sozinha, mas porque esse aviso veio através de um sonho? Porque tinha que complicar tudo? Não seria mais fácil se tudo estivesse desvendado e que eu pudesse ser mais feliz? Isso está me dando uma dor de cabeça tremenda. E eu nem devia prestar atenção nisso. É só um sonho. Acho que, a partir de agora, vou tentar esquecer tudo e partir para uma nova história. Quem sabe isso não me deixe ter uma vida normal e saudável de novo?

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Garotas de minissaia andando por todo o lugar. Era essa a imagem que o colégio tinha naquela segunda-feira ensolarada. Alguns garotos ficavam observando-as enquanto eu andava em direção ao banco onde se encontrava minha amiga, lendo um livro. Sorri para ela e suspirei. Ela sabia que tinha algo errado comigo.

- Não precisa se preocupar comigo, Emelly. - respondi.

- Eu sei que tem algo que você quer dizer. Porque não quer apenas dizer logo e acabar com essa cara de dor?

Forcei um sorriso, disfarçando a minha cara ruim e sem maquiagem e ela fez uma careta como 'fale logo e não me deixe passar vergonha'. Não falei nada apenas fingi me interessar por um garoto moreno que passava e piscou pra mim. Emy me cutucou forte no braço e eu soltei um gemido.

- Droga, Emelly! - gritei.

- Vamos. É sobre o sonho, não é? Me diga. - pediu. - Teve outro?

- Não. É que... Bem, eu não consigo esquecer. Parece que agora virou tipo uma obsessão procurar o garoto.

Ela abriu a boca e soltou um 'ah' e quando bateu o sinal, fomos para a sala em silêncio. Ao término da aula, evitei ir para o bar da escola e andei direto pra casa. Fiz o almoço e comi inquieta. O que havia comigo? Liguei o rádio e me afundei no sofá para tentar descansar. Talvez Emelly tivesse certa. Eu podia sonhar de novo. Ter uma continuação. Aí, quem sabe, o garoto decide aparecer?

Uma semana depois...

Emelly veio me encontrar em casa para me acompanhar na ida para o colégio. Ficamos conversando sobre a competição que tivera e sobre os garotos que marcaram mais ponto que os da nossa escola, mas que eram super gatos. Tudo isso nos fez rir um bocado antes de entrar na sala. Era a recém a segunda semana de aula depois das férias e ainda não parava de chegar alunos novos.

Na sala, continuavam os mesmos colegas patetas de antes. Nenhuma novidade. Porque será que aquele colégio tinha a fama de ser tão ruim? Respirei fundo e sentei na primeira classe, ao lado de Emelly, mas algo me fez contorcer de dor. Justo naquele dia? Corri para a coordenação para conseguir uma bolsa d'água e um remédio devido à maldita cólica e me sentei nas poltronas duras da sala gelada e vazia.

Passaram-se horas e eu não me sentia melhor nunca. O terceiro sinal tocou e era hora do recreio. Vários alunos e professores passaram pelo corredor e me olhavam querendo entender o que estava acontecendo. Ao longe estava Emelly e mais uma outra pessoa que não reconheci. Acho que era a Tina. Virei-me para me encostar na poltrona novamente, fechei os olhos e adormeci.

A coordenadora me acordou e eu me sentia um pouco mais confortável que antes. Olhei para o relógio e percebi que já tinha se passado do meio-dia. Emelly devia estar furiosa me esperando no bar. Teríamos que almoçar no colégio para fazer o teste de educação física mais tarde. Peguei minha mochila e meus cadernos e saí correndo para encontrá-la.

Na primeira mesa depois da lixeira colorida, estava ela com duas bandejas prata com enormes hambúrgueres e muitas batatas fritas. Minha barriga roncou. Ela olhava para trás, parecendo esperar alguém. Era um garoto que não reconheci, mas veio andando em sua direção e sentou do outro lado da mesa. Os dois sorriram e voltaram a conversar naturalmente.

Continuei a andar e os dois me viram. Quando ele virou o rosto para me olhar, senti um ar gelado invadir meu peito e aquilo me fez acordar. Eu o conhecia sim. Larguei meu material na cadeira ao lado de Emelly e sentei ao lado do garoto. Cumprimentei os dois e peguei minha bandeja para começar a comer. Como eu não havia visto ele ainda? Era certo que fazia mais de um ano que eu não o via, mas sua imagem nunca sairia da minha cabeça.

Léo sempre gostara de mim e eu manifestava ter uma quedinha por ele também. Depois que ele saiu do colégio e foi pra escola militar em outro estado, a turma ficou com um vazio enorme. Emelly e eu éramos as únicas que sentíamos falta dele e ele sempre que podia, vinha nos visitar, mas fazia um tempo que ele não vinha mais. E, pela minha surpresa, ali estava ele.

No meio da conversa, comíamos e ríamos muito. Eu estava mais concentrada em comer do que prestar atenção no assunto. Emelly terminou de comer e se virou pra trás para conversar com Tina, que estava na outra mesa. Então, eu e Leonardo ficamos nos olhando por um tempo. E foi aí que a minha cabeça se recuperou e eu lembrei do sonho. Algo que estava escondido por trás de outras preocupações.

Era ele. Leonardo estava ali porque ele era o meu príncipe. Sem perder a oportunidade, me aproximei de seu rosto assim como ele fazia e, sem medo de estar na frente do colégio inteiro, o beijei. Emelly não viu, mas ficou sabendo pelo resto do pessoal. E aquele momento foi tão engraçado quanto marcante afinal, pela primeira vez, um mistério foi desvendado assim como um dos meus sonhos se tornou real.

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