Conto: Guerra de travesseiros

- Toca pra gente ouvir! - eu implorava pela milésima vez para o garoto que segurava um violão. Meu melhor amigo, continuava a me olhar....


- Toca pra gente ouvir! - eu implorava pela milésima vez para o garoto que segurava um violão.

Meu melhor amigo, continuava a me olhar. Cabelos pretos e levemente curtos, pele branca, olhos castanhos, alto, inteligente e tímido, Josh assumiu um tom rosado nas bochechas e se sentou ao meu lado novamente.

- Eu não consigo. - murmurou com sua voz grave e tensa.

Abracei seus ombros, reconfortando-o, e de perto eu sentia seu maxilar trincado e percebi sua barba já crescida. De repente me peguei pensando em como o tempo havia passado rápido. Estudávamos juntos desde sempre. Cada um acompanhara o crescimento do outro. E Josh estava ficando tão grande... Ainda me lembrava da época em que sua voz ainda estava amadurecendo e era tão engraçado...

- Tudo bem. - disse e dei o conhecido e amigável cafuné nos seus cabelos desengrenados. - Vamos, vai dar o sinal. - obriguei-o a levantar novamente, pegando a mochila para ir embora daquela escola depois de mais uma manhã cansativa.

Cada dia da semana tinha almoço revezado. Segunda na minha casa, terça na casa dele, depois quarta na minha e assim ia. Tínhamos um acordo desde crianças e nunca falhamos. E naquele dia, era dia de almoçar na casa dele. Viramos a esquina, subindo a passarela no caminho conhecido. Josh colocou o violão nas costas e segurou os cadernos com as duas mãos.

No caminho conversamos sobre o teste de interpretação na aula de literatura e depois trocamos de assunto para programas de televisão e ficamos assim até chegar na casa dele onde fomos recebidos por sua mãe sorridente.

- Boa tarde, dona Jenifer, o que tem no cardápio hoje? - brinquei dando um grande abraço na mulher de cabelos presos, chinelos e avental.

- Olá, senhorita Mandy. Vamos estrando que a comida já está pronta. Adivinhem o que eu fiz hoje? - cantarolou ajudando o filho a levar o violão para a sala.

- Panquecas. - murmuramos eu e Josh juntos, aos risos.

- Mas... Não vale. Como vocês sabiam? - disse choramingando.

- Mãe, toda a vez que você fala isso é porque fez panquecas. Você é a única pessoa que quase morre de felicidade por apenas fazer panquecas. - disse Josh indignado e me acompanhou para sentarmos à mesa.

Dona Jenifer fez uma careta e colocou as panelas na mesa e obviamente ali estavam as lindas e cheirosas panquecas. Comemos até não conseguir mais e depois nos despedimos da mãe dele porque era hora de ir para o trabalho. Em fim, ficamos sozinhos como sempre ficávamos. Suspirei pesado e peguei os pratos e talheres para começar a lavar. Josh ligou o rádio na sala tocando Linkin Park e veio dançando até mim.

- Ah, deixa essa louça pra lá e vamos fazer algo mais divertido. - pediu puxando meus braços.

Sim. Josh era assim. Tímido na frente dos outros, mas comigo era tudo mais diferente. Ele se alterava quando estava sozinho comigo. Eu me sentia feliz por ele confiar em mim. Com uma risada, balancei a cabeça.

- Não, Josh. Não vou deixar isso pra sua mãe. Ela já tem muito trabalho...

- Então lave mais tarde. Por favor, Amanda.

Revirei os olhos. Ele sabia que eu sempre faria o que ele pedisse quando falasse meu nome. E foi isso que fiz, sem muita vontade. Larguei a louça suja na pia, ainda meio arrependida, e fui pra sala com ele. Aos poucos comecei a rir. Todas as vezes era igual. Eu queria ajudar a limpar a casa e ele me puxava para nos entretermos. Josh era uma má influência para mim.

- Certo. O que quer fazer primeiro? - perguntou. - Podemos olhar um filme, jogar carta e depois fazer uma guerra de travesseiros. - sugeriu aos risos, dando de ombros.

Bufei e ele pegou minha mão para escolhermos um filme da sua enorme estante. No final, ele acabou escolhendo um que eu não conhecia, parecia ser suspense ou algo parecido. Pegamos algumas cobertas e travesseiros e nos deitamos no chão da sala, na frente da televisão. Ele colocou o DVD e o filme começou. Ele se sentou e eu deitei minha cabeça em suas pernas.

O filme, eu confesso, era bem chatinho. Eu estava quase dormindo. Josh parecia todo empolgado e concentrado no filme, eu fechei meus olhos, suspirei e ele começou a mexer em meus cabelos e a acariciar meu rosto. Com um sorriso satisfeito, adormeci por uns breves dez minutos até o filme acabar. Josh, com seu jeito delicado e meigo, me acordou com um cafuné de leve na cabeça e me alcançou uma maçã.

Mordi, esfomeada e ele tirou seu colorido baralho de cartas do bolso para jogarmos algumas partidas até cansar. A tarde até que estava rendendo, estávamos nos divertindo um monte. Ele distribuiu as cartas e começamos a contar piadas e rir de tudo. Logo estávamos gargalhando e discutindo quem havia ganhado. Isso ajudou a começar uma pequena guerra de travesseiros que durou até cairmos no chão, com um ataque de riso.

Seu corpo estava em cima do meu, estávamos rindo, ofegando e com calor. Os travesseiros jogados pela sala, tudo bagunçado, mas estávamos nos divertindo como crianças. Olhei para o seu rosto, que estava mais perto do meu como nunca e percebi que havia uma pequena cicatriz no seu lábio de onde veio um sorriso fofo. Encontrei seus olhos e ficamos nos encarando por um tempo até ouvirmos a chave girar na porta.

- Josh? Mandy? - gritou a mãe dele que acabava de chegar do trabalho.

Do chão, olhei para o relógio e percebi que já eram sete horas. Arregalei os olhos e antes que eu pudesse sair de baixo de Josh, dona Jeniffer entrou na sala e nos viu, com um sorriso malicioso meio disfarçado. Balancei a cabeça e tratei de empurrar o corpo dele para o lado e levantar para me explicar.

- Estávamos fazendo guerra de travesseiro. Nós vamos arrumar a sala, desculpe pela bagunça. - falei apressadamente voltando a colocar as almofadas e o tapete no lugar enquanto Josh, com o mesmo sorriso, recolhia os travesseiros e as cobertas.

- Claro. - murmurou e acrescentou bufando. - Guerra de travesseiros.

Revirei os olhos e a sala já estava arrumada. Peguei meu material e me despedi da mãe enquanto ele foi comigo para a porta. Levantei as sobrancelhas e ele sorriu.

- Não dá bola pra ela. - e fez uma pausa - Vamos nos ver amanhã? - perguntou e colocou minha franja atrás da orelha com os dedos macios.

Dei de ombros.

- Minha mãe vai sair amanhã o dia todo. Quer vir pra cá? Podemos fazer tudo de novo, como hoje.

Assenti com um sorriso lembrando da nossa tarde.

- Então, até amanhã... Vai vir me ver, né? - sussurrou no meu ouvido.

- Claro, Josh. Acha que eu seria capaz de não cumprir uma promessa?

Ele sorriu.

- Tudo bem. Tchau. - murmurei e ele segurou meu rosto para beijar minha bochecha. - Eu te amo, Josh.

- Eu te amo mais. Tchau.

-----------------------------------------------------------------------------------------------

Acordei cedo para me arrumar e saí de casa para me encontrar novamente com Josh. E ele estava na frente de casa, me esperando, todo bobo. Abriu o portão pra mim e fui recebida por um apertado abraço e um beijo molhado na bochecha. Meu sorriso se iluminou enquanto entrávamos em casa e vi tudo preparado na sala para assistirmos um filme.

- Podemos inverter a ordem se você quiser.

Balancei a cabeça, rindo e me sentei nas almofadas enquanto Josh pegava o controle remoto e o filme começava. Acho que eu já havia visto em algum lugar, talvez no cinema. A história era a mesma de sempre. A garota mudava de cidade, sofria bullying das patricinhas e conhecia o menino mais popular do colégio. Os dois se apaixonavam e no fim tudo acabava bem. Fim.

Me levantei para fazer algumas torradas e Josh ligou as luzes para jogarmos carta. Era como um ritual nosso. Sempre tínhamos que fazer as mesmas coisas, mas atualmente algumas coisas estranhas estavam acontecendo sem que desejássemos. Como no dia anterior quando fomos pegos um em cima do outro acidentalmente e foi aí que comecei a achar que algo diferente aconteceu conosco.

Ele me olhou sério e eu servi as torradas no prato, silenciosamente. Tive que concordar que o clima estava intensamente tenso e eu não estava gostando. Ele parecia nervoso, os minutos passavam rapidamente e eu ficava cada vez mais curiosa. Suspirei. Não deixaria passar, apenas perguntaria mais tarde. Trocamos um olhar de novo e eu sorri.

- Certo. Eu estou sem animação para jogar cartas e ainda estou com fome. Quem sabe não fazemos um bolo?

Ele riu com minha ideia retardada, mas assentiu. Peguei a tigela, a batedeira, o fermento e a farinha. Josh pegou a receita, os ovos, o leite, o chocolate e a manteiga. Jogamos tudo em cima da mesa e começamos a preparar com a maior atenção. Na hora de misturar tudo, ele me ajudou a segurar a batedeira pesada e eu novamente fiquei dispersa naquela bonita cicatriz em seus lábios. Fui pega no flagra e ele começou a rir da minha cara sonhadora.

- Que foi? - perguntei e sujei a ponta do seu nariz com um pouco da massa doce do bolo. - Seu bobão.

Ele arcou as sobrancelhas e escancarou a boca como se tivesse levado um tapa. Aquela cara de revanche veio ao seu rosto e eu percebi que estava ferrada. Quando vi que ele afundou a mão no saco de farinha eu comecei a rezar, mas nada deu certo. Ele foi mais rápido e a farinha logo veio ao encontro do meu cabelo. Por reflexo, joguei um pouco de farinha nele também e segurei com as duas mãos um ovo ameaçando joga-lo em sua camiseta novinha. Ele se rendeu, nos sentamos nas cadeiras e então começamos a gargalhar.

Peguei a tigela do bolo, coloquei-o na forma e depois no forno quente. Josh ficou sentado ainda tentando se recuperar das risadas. Olhei-me no reflexo da janela e limpei meus cabelos.

- Temos que fazer a cobertura. - lembrou.

Assenti e peguei outra travessa para preparar uma deliciosa cobertura de leite condensado com chocolate. Ficou uma delícia. Esperamos o bolo ficar pronto, sentados nas cadeiras da cozinha, em silêncio.

Contei os minutos, que se passaram rápido, e retirei o bolo para colocar a calda. Josh quis logo experimentar e ignorou o fato de que ele ficaria com uma enorme dor de barriga pelo bolo estar super quente. Revirei os olhos e coloquei a louça para lavar enquanto ele cortava e mordia um pedaço grande e fingia que estava morrendo, caindo no chão, colocando a mão no pescoço e mexendo os olhos feito louco.

Com uma risada escandalosa ele se levantou depois de eu o chamar de um monte de coisas e xingá-lo pra caramba nós voltamos para a sala e nos sentamos, cansados, no sofá. Não olhamos novamente um para o outro e isso me fez lembrar o nervosismo que ele tinha anteriormente. Resolvi tirar a história a limpo já que aquilo realmente me preocupava.

- Você estava bem antes?

- Antes? Quando?

- Quando eu cheguei. Você parecia nervoso.

Ele lembrou do momento em que ambos parecíamos distantes como nunca e pareceu passar um calafrio pelo seu corpo.

- Ah, é que eu queria te mostrar uma coisa. - disse se levantando e começou a se distanciar. - Está lá no meu quarto. Vou buscar.

Fechei os olhos e abri-os novamente. O que deveria ser? Ele estava brincando comigo, ou fazendo algum jogo só para animar aquela tarde? Meus lábios se levantaram num sorriso quando vi que ele voltava. Estava com seu violão na mão. Com um sorriso tímido, sentou na minha frente e respirou fundo.

- Fiz uma música. - murmurou e começou a tocar nota por nota no violão, se formando acordes lindos.

Nunca havia visto Josh tocar. Sabia que ele sentia vergonha e respeitava o espaço dele tanto quanto ele respeitava o meu, mas nunca soube que ele tocava tão bem. A melodia era perfeita, porém o que mais me deixou assustada foi quando ele abriu a boca dela saíram lindas palavras com um tom de voz maravilhoso. Ele estava cantando tão bem que me arrepiei toda a ponto de quase querer chorar. A letra da música era linda. Combinava amizade com amor. Me fez pensar em mil coisas. Até que ele terminou e sorriu. Fiquei sem palavras e apenas sorria que nem boba. Ele largou o violão de lado e olhou pra mim se aproximando.

Depois daquilo eu fiquei tão surpresa a ponto de ficar ofegante por ter seu rosto tão perto do meu. O que importava não era aquela a música nem sua cicatriz fofa, mas sim sua boca quando encostou na minha e naquele momento percebi que aquilo tudo era certo sim, sermos mais que bons amigos.

- Escrevi pra você. - sussurrou.

Você também pode gostar

0 comentários

INSTAGRAM @ MALU DAUER