Conto: Vizinhos

Minhas amigas me esperavam do lado de fora do quarto enquanto eu terminava de colocar a velha blusa cor-de-rosa e minha famosa fita branc...


Minhas amigas me esperavam do lado de fora do quarto enquanto eu terminava de colocar a velha blusa cor-de-rosa e minha famosa fita branca no cabelo. Escovei meus cabelos ruivos e sedosos e me olhei no meu espelho emoldurado. As conhecidas sardas estavam ali e, como sempre, chamavam atenção. Tapei-as discretamente com blush, calcei minha sandália superconfortável e abri a porta.

Rachel estava com suas lentes, pois odiava usar óculos, o que não me surpreendeu. Seu sorriso estava enorme e lindo como sempre. A alegria que ela trazia ao nosso grupo nos deixava confortáveis. Seu vestido lilás era maravilhosamente curto e com rendas fofas. A maquiagem estava leve destacando seus lindos olhos azuis e seus cabelos escuros levemente encaracolados.

Me assustei ao reparar em Charice. Ela havia tirado finalmente o aparelho que usava há mais de cinco anos. Seus dentes estavam perfeitamente brancos e lindos. Sem contar que sua roupa também estava incrível em seu corpo magro. Sempre dizia a ela que seria a melhor modelo do mundo ainda mais com aqueles cabelos loiro feito os raios de sol. Mas se não fosse tímida. E sua voz era tão linda...

Ela me olhava apressada. Levantei as sobrancelhas.

- Que foi? Não gostou do visual? - perguntei preocupada.

Charice riu.

- Não. Não é nada disso. Está perfeito! É que o filme começa em dez minutos! - ofegou.

Arregalamos os olhos juntas e começamos a correr, gritando pela casa. Peguei a chave do carro e dirigi apressada ao som de Katy Perry. As garotas cantavam Rachel desafinadamente e Charice mais belamente impossível. Mas aquilo não importava. Era um final de semana divertido em que iriamos tomar muito sorvete e pegar muito sol. Pelo menos era o que estávamos planejando há mais um de mês, mas só chovia.

Rachel, sentada ao meu lado, preparou o dinheiro e saiu do carro às pressas para entrar no shopping e chegar a tempo na fila para comprar os ingressos. Charice me acompanhou e andamos lentamente passando pelas lojas de guloseimas e vitrines de roupas de marca. Ali ela encontraria seu namorado, Mathew, e eu ficaria sozinha. Aquela era uma das coisas de que eu menos gostava. Ela estava namorando há bastante tempo e Rachel sempre arranjava um para acompanhá-la. A questão era: porque ninguém me escolhia?

E ali estava ele. Com o mesmo boné vermelho, alargador na orelha esquerda, sorriso malicioso, roupas largas e tênis gigante. Esse era o super-namorado de Char. O problema maior era que ele não a merecia, mas mesmo assim ela insistia e eu continuava a dizer que o amor, realmente é cego.

Ele a recebeu com um beijo fofo e me cumprimentou com um sorriso desajeitado. Andamos juntos até o cinema onde estava Rachel com os ingressos, mas antes que eu pudesse continuar a continuar, algo me chamou atenção. Na fila se encontrava um garoto extremamente bonito. Não era daqueles que era apenas mais um com o cabelo bagunçado com gel, mas era chamativo pra mim. Ele estava com os amigos. Sua risada vibrou em meus ouvidos e eu tive vontade de sorrir junto. Parecia bobagem. Eu estava tão perdida e fora de mim que nem percebi que o pessoal estava me chamando.

- Hey Naty! Acorde. - avisava Rachel balançando as mãos na frente do meu rosto.

Balancei a cabeça, rindo. Charice estava abraçada à Mathew e Rachel tentava entender o motivo da minha leve desconcentração.

- Desculpe, gente. - pisquei algumas vezes e ao olhar novamente para o garoto, percebi que ele me olhava, com um sorriso fofo nos lábios.

Desviei os olhos e entramos na sala da sessão enquanto ele ainda comprava os ingressos. Respirei fundo e subi as escadas para sentar na mesma fileira que meus amigos. Sentei-me e esperei.

- Tudo bem, Natalie. Você tem que se acalmar. Nunca mais vai vê-lo outra vez. Apenas conte até dez, feche os olhos e encare a realidade. - sussurrei para mim mesma.

Ao abrir os olhos, vi os três garotos subindo e os reconheci. No meio deles, um se destacava. Com seus cabelos morenos, olhos azuis e sorriso encantador, seguiu seus amigos que entraram na mesma fileira que a nossa e um deles, o mais baixinho, sentou ao lado de Rachel.

Fingi não me preocupar e peguei um pouco de pipoca que as garotas tinham comprado para manter meus olhos, minha atenção e minha boca ocupados. As luzes se apagaram aos poucos e as propagandas começaram. Não preciso nem dizer que Char e Mat se esqueceram da privacidade e começaram a se amassar nos bancos ao meu lado. Revirando os olhos, continuei assistindo ao empolgante filme que não prestava mais atenção e nem sabia se estava no começo ou no fim.

O garoto baixinho, amigo do outro garoto mais bonitinho, começou a puxar assunto com Rachel. Estava um pouco na cara de que ele tentava trovar ela e aos poucos percebi que ela deixava leves indiretas também. Não foi tão rápido, mas logo estavam se beijando. Com uma risada, tentei me concentrar em outra coisa a não sei neles.

Fim do filme, todos agiram como se nada tivesse acontecido e cada um foi para um lado. A fome bateu e decidimos nos dirigir ao famoso Mc' Donalds que estava perto da saída. Minha barriga pedia comida com mais gordura possível e aquilo iria me satisfazer pelo resto da tarde. Olhei no relógio e me certifiquei de que era mesmo hora de ir embora. Quando se menos esperava, o tempo passava como uma flecha.

Larguei minhas amigas em casa e sorri, aliviada, por poder ter um tempinho para descansar. Minha cabeça começou a latejar de dor e lembrei do garoto que vira naquele cinema. Era bem coisa de filme mesmo. Devia ser apenas imagens da minha cabeça. Deitei na cama e foi pensando nas coisas daquela tarde que adormeci.

Ele era lindo. Seus olhos encontraram os meus e por alguns segundos eu só consegui pensar em como poderíamos ser felizes juntos. Ele ia me beijar, mas eu o impedi e fugi. Ele perguntou o meu nome. Eu não respondi. O despertador gritou no meu ouvido e me fazendo abrir os olhos. Porcaria. Aquele era apenas mais um dos meus sonhos impossíveis.

Levantei com os pensamentos voando e me vesti para dar uma caminhada. Em pleno domingo, minha mãe havia viajado para a serra e eu fiquei completamente abandonada e sozinha em casa. Comi uma maçã e saí para a rua. O clima estava ótimo e bem agradável. O sol combinava com o ventinho suave que balançava meus cabelos presos num rabo-de-cavalo.

Haviam poucas pessoas na rua. Devia ser porque arrecém eram nove horas da manhã e nem todos estavam acordados ainda. Na praça, brincavam algumas crianças hiperativas que gritavam deixando seus pais estressados e alguns garotos de bicicleta tinham que desviar delas, algumas vezes. Estava tudo normal como qualquer domingo seria. Liguei meu iPod e coloquei um dos CD's do Paramore para escutar.

Um tempo se passou e eu, concentrada na letra de uma música, não percebi que alguém andava de bicicleta lentamente ao meu lado. Por reflexo, desviei de uma árvore e continuei correndo, ignorando a pessoa. Logo, ali estava a bicicleta me acompanhando novamente. Virei o rosto e me assustei ao me deparar com o mesmo garoto do cinema, no dia anterior. Apressei o passo e tentei não pensar muito em como fugiria dali. Minha casa era perto e daria tranquilamente para... Parei de correr quando vi que ele havia parado.

Ele riu.

- Certo. O que foi isso? - perguntou.

Fui atingida como um soco na cara. Ao mesmo tempo em que eu pensava que ele estava rindo da minha reação de sair correndo que nem uma desesperada eu fiquei chocada com a beleza de sua voz. Seus olhos se fixaram nos meus, tentando ler o que se passava em minha mente, mas apenas dei de ombros.

- Nem conheço você. Como podia imaginar o que queria comigo? - falei com a voz abafada.

Sequei algumas gotas de suor que escorriam pela minha testa e desliguei o fundo musical que no momento era "Girlfriend" da Avril Lavigne. Ele indicou o banco para que sentássemos e eu o acompanhei. Estava cansada, sonolenta e meio tonta. Agradeci mentalmente pelo convite. Enquanto andávamos em direção ao banco, que eu esperava ansiosamente reparei em sua altura e seu corpo.

Não era muito magro, mas era forte. Tinha um corpo bonito, de atleta que levantava peso, e uma altura tipo 1 e 90. Seus braços estavam expostos pela camiseta sem mangas que ele vestia e, ali, encontrei uma tatuagem bonita, diferente. Sentamos e ele também aproveitou para me admirar melhor. Ambos abrimos um sorriso.

- Você é a garota do cinema. - lembrou.

Concordei com uma risada.

- E você é amigo do cara que ficou com a minha amiga. - adivinhei.

Ele riu e bateu a mão na cabeça como se estivesse envergonhado.

- Você viu, é? - fez uma pausa - É. Não tinha como não ver. - respondeu sozinho - Falei pro Victor que era pra ele se comportar...

Sorri com seu jeito fofo de se comportar em frente àquela situação toda. Mesmo sem nos conhecermos muito bem ele conseguia permanecer engraçado, educado e fofo. Aos poucos, a praça começou a ficar cheia de gente correndo, malhando e tomando chimarrão. Também, com um sol daqueles, quem iria desperdiçar?

- Mora por aqui? - perguntei.

Aquela não era uma pergunta das melhores, mas pelo menos acabaria com a minha curiosidade e incentivaria ele a continuar a conversa.

- Ali perto daquele posto, sabe? Virando a esquina tem uma casa amarela de dois pisos. É ali que eu moro. - explicou. - E você é daqui mesmo?

Assenti e apontei para a rua anterior à praça onde se localizava minha pequena casinha azul.

- Moro ali.

- Então, parece que somos quase vizinhos. - brincou.

Rimos juntos e então percebi que conseguira chegar ao ponto em que a conversa ficara instável e que o caminho até o fim estava mais curto. Isso significava que provavelmente nos veríamos mais vezes e talvez pudesse acontecer alguma coisa... O que eu estava falando? A quem eu estava enganando? O que aquele garoto perfeito iria querer com uma garota cheia de sardas e tão normal como eu?

Balancei a cabeça para esquecer aqueles problemas e apenas pensei em curtir aquele dia maravilhoso com um cara maravilhoso. Tudo iria dar certo. Depois eu iria pra casa, ligaria meu computador e escreveria alguns poemas sobre como ele era lindo, escutaria Taylor Swift e depois sonharia com ele, como fizera na noite passada.

As horas se passaram rápido demais. Passamos mais tempo rindo do que conversando coisas decentes. Eu ainda não sabia o nome dele, nem ele sabia o meu. Minutos antes de eu ir embora, ele pediu meu número de celular. Aquilo era esplêndido! Iríamos trocar mensagens de texto sem saber o nome um do outro. Mas poderia ser a salvação da minha vida e a extinção da minha solteirice.

Minha mãe já estava em casa, preparando a janta, quando cheguei. O cheiro estava ótimo. Dei um leve beijo na testa dela e fui para o meu quarto tirar a roupa suada para tomar um bom banho. Entrar debaixo da água gelada foi a melhor sensação para esfriar a cabeça e colocar as ideias em ordem. Certo. Eu tinha um garoto incrível no meu calcanhar. Deveria dar um jeito nisso, e logo.

Jantei depressa. A massa com molho de queijo estava deliciosa, mas meu sono me incomodava e a dor de cabeça voltara com o cansaço. A cama fofa acomodou meu corpo pesado e eu adormeci rapidamente, ouvindo música e pensando nas imagens do menino-ainda-sem-nome.

Quando acordei, ainda eram quatro horas da manhã. Sonolenta e sem conseguir dormir novamente, sentei-me na cama e minha barriga roncou. Abri uma fresta da cortina e o dia estava nublado. Provavelmente iria chover. Calcei minhas pantufas, fui para a cozinha e da janela percebi que a caixa do correio estava cheia.

Abri a porta de casa e fui para o pátio. Imaginei que tipo de cartas estavam me esperando. Promoções e descontos de lojas da cidade, contas de luz e água, mas foi aí que pensei no que poderia estar ali. Uma linda carta do garoto que morava há duas quadras dali e...

Haviam duas cartas e nenhuma delas foi como eu esperava. Voltando para dentro da confortável casinha, joguei-as em cima da mesa e tomei um copo de leite. Liguei a televisão e fiquei olhando desenho até minha mãe acordar, perto das seis horas. E, como sempre, fui recebida com um beijo na testa.

- Bom dia, filha. Vai querer que eu prepare uma torrada pra você também? - murmurou bocejando, ainda de pijama.

Assenti, sorrindo, e me levantei para trocar de roupa. O curso de espanhol era só à tarde e a aula era à noite. Daria tempo de fazer algumas compras no centro antes de ir estudar. Prendi minha franja com uma brilhante presilha, coloquei um jeans usado, uma blusa de manga comprida e meu Converse favorito e devido ao vento que eu sentira ao sair, peguei um casaco para não passar frio e voltei para a cozinha.

- Vai sair de novo? - perguntou ele enquanto eu pegava minha torrada e andava para a porta.

- Preciso comprar algumas roupas. - respondi me despedindo.

Entrei no carro, coloquei a torrada na boca e liguei o motor. O centro era perto, não precisei dirigir muito. Estacionei em frente a um vendedor de churros e comecei a andar. As lojas eram muitas. Comecei pela da esquina, mas nada realmente me interessava. Estava difícil achar algo que combinasse com o meu tom claro de pele e a cor de meus cabelos lisos.

As ruas estavam praticamente vazias, também pelo motivo de ser hora das crianças e jovens estarem na escola e os adultos, no trabalho. Eu tinha realmente sorte da minha faculdade ser à noite e principalmente porque eu tinha mais tempo para andar e fazer compras, como naquela tarde.

Procurava por uma blusa que combinasse com minha saia preta de rendas e meu sapato vermelho. Em uma das lojas, a atendente me sugeriu uma blusa branca com um bonito decote V e longas mangas bordadas em vermelho. Pedi o meu tamanho e esperei no provador. Abri as cortinas e fiquei me olhando no espelho experimentando que jeito ficaria melhor prender meu cabelo quando um vulto grande surgiu atrás de mim.

- Gosto dele solto. - disse.

Virei-me e fui recebida pelo mesmo sorriso já conhecido. Seus olhos azuis encontraram os meus e eu não me surpreendi. Meu coração palpitou ao perceber como seu corpo estava perto ao meu e nossa respiração estava pesada. Ele percebeu meu pavor e se afastou um pouco fingindo observar minha roupa.

- Oi. - murmurei com a felicidade explícita na voz.

Ele deu um sorriso torto e inclinou a cabeça. Com um simples movimento, soltei meu cabelo, do jeito que ele falou que gostava, e fiquei esperando. Ele riu e percebeu. Trocamos mais um olhar antes de eu conseguir recomeçar a falar.

- Como sabia que eu estava aqui?

Ele deu de ombros. Provavelmente não iria dizer.

- Eu te segui.

Levantei as sobrancelhas e arregalei os olhos. Surpreendida, não consegui falar.

- Já escolheu a roupa, senhorita? - perguntou a vendedora da loja. Eu ainda vestia a blusa e nem lembrava.

Dei uma última olhada nele e assenti.

- Vou levar esta. - indiquei a blusa branca que estava cabendo perfeitamente no meu corpo magro. - Combina com o meu cabelo solto. - adicionei aos sussurros e ele ouviu.

Paguei e saí da loja com o garoto ao meu lado. Ele era bem mais alto que eu. E me olhava constantemente. Não era a falta de assunto que me incomodava, mas sim porque ele tanto me perseguia. Eu estava gostando de tê-lo ali, porém parecia estranho. Era realmente muito estranho. Eu me sentia tensa. Ele ainda era um desconhecido para mim. Tínhamos nos visto três vezes e eu permanecia em dúvida. Será que aquilo daria certo? Eu poderia estar em perigo.

Resolvi ignorar o meu medo e improvisar qualquer coisa que não faria me arrepender depois.

- Você não estuda?

Puxar assunto naquela maneira era constrangedor. Não havia o que falar e a minha voz saiu toda errada, como sempre.

- Não. Estou trabalhando. - respondeu com um sorriso. Franzi a testa.

- Aonde? Não que eu esteja interessada em saber onde você trabalha, mas fiquei curiosa e... - ele me interrompeu com uma risada.

- Trabalho à tarde numa floricultura, sabe... Vendendo flores.

Continuamos andando. Vamos, Natalie, pense logo num assunto para conversar. Não seja mais uma daquelas garotas idiotas que fica só concordando e perguntando sobre os meninos. Certo. Ele trabalha à tarde. É um bom começo, já que eu estudo à noite. Eu só precisava saber aonde era aquela floricultura.

- Estava indo para o trabalho quando vi você sair de casa e resolvi te seguir.

Tudo bem. O que era aquilo? Ok, respire fundo, conte até dez e encare a situação da melhor maneira sem causa uma má impressão. Coloquei o cabelo atrás da orelha e pisquei algumas vezes com um sorriso nos lábios rosados. Aqueles olhos azuis estavam me matando. Limpei a garganta, mas não consegui começar a frase. Ele, então, continuou.

- Aliás, acho que você gostaria de ver algumas das flores que tenho por lá. - disse andando e eu o acompanhei quando ele parou. - A não ser que você tenha que ir pra casa ou...

- Não, eu... posso ir com você. - fiz uma pausa e acrescentei - Eu quero.

Seus lábios se curvaram em um sorriso fofo de satisfação e recomeçamos a andar novamente. Eu coloquei a sacola no ombro e deixei minha franja comprida cair no rosto. O caminho foi curto. Era bem perto do centro da cidade. Paramos em frente a uma grande e bonita loja com a faixada coberta de flores de todas as cores e tamanhos. Inspirei o ar e senti um aroma gostoso de terra molhada. Um menino estava regando a grama da frente e nos cumprimentou.

- Você vai gostar daqui. - disse o menino-ainda-sem-nome e apontou para algumas prateleiras onde haviam milhares de rosas de diversos tamanhos. - Você vai gostar daquela sessão. - e me puxou de leve para que eu o acompanhasse.

Diferente das outras sessões onde se encontravam plantas feias e árvores sem graça, aquele era repleta de flores alegres, coloridas e cheirosas. Olhei ao redor e me senti confortável. O garoto pareceu gostar da minha reação e sorriu junto comigo. Percebi que aquela era a hora de tirar algumas dúvidas. Mas ele não me deixou falar.

- Qual delas você prefere?

- Bem, ahn... - fui pega desprevenida e recomecei a gaguejar - Eu acho as orquídeas muito bonitas. Minha mãe costumava ter um monte em casa.

Ele se alegrou e pareceu que aquela flor tinha algo a ver com ele também.

- Venha. Tenho um lugar especial pra mostrar pra você, então. - murmurou no meu ouvido e pegou minha mão para me conduzir pelo meio das flores como rosas, violetas, bromélias e margaridas.

Alguns dos funcionários nos olhavam confusos, mas continuavam a seguir seus caminhos com baldes de terra, adubo e vasos de argila de diversos tamanhos. Chegamos a uma porta, que dava para o fundo da enorme estufa. Ele a abriu e eu encarei o lugar mais bonito que eu já tinha visto na minha vida. Um enorme campo verde abrigava diversas árvores com muitos pés de lindas orquídeas bem cuidadas e algumas árvores com frutos maduros.

- É aqui que eu passo a maior parte do meu tempo. São lindas, não?

Abri a boca para responder e fechei a novamente. Eram as flores favoritas dele também. Pisquei algumas vezes e para estragar com o momento e olhei para o relógio assustada com o horário.

- Você tem que ir? - perguntou, entendendo o meu olhar.

- Aula de espanhol.

Ele se aproximou de mim e estendeu a mão. Ali se encontrava uma pequena muda de orquídea. Meu sorriso se abriu e ele gostou de me ver assim. Dei alguns passos para trás e fui me distanciando.

- Me diga seu nome. - pediu antes que eu fosse embora.

- Natalie. - murmurei e então deu um beijo na minha bochecha e deixou que eu partisse.

--------------------------------------------------------------------------------------------

Fazia tempo em que eu esperava a sua visita ou apenas ver seu rosto novamente, mas ele não viera me encontrar. O garoto, que eu ainda não sabia o nome, havia esquecido o quão importante eu era pra ele e me deixara esperando respostas. Haviam se passado mais de dois meses desde o dia em que ele perguntara meu nome. O último dia em que nos vimos.

Porque ele não mandava algum sinal de que ainda lembrava de mim ou que ainda estava vivo? Seu sorriso, aos poucos, se apagava de minha memória. A linda plantinha que ele me dera agora não existia mais. Não havia mais nenhuma lembrança para que eu pudesse olhar e me sentir melhor. O garoto se fora junto com minhas memórias.

Aquele era mais um dia ensolarado num final de semana qualquer. Eu não estava animada para sair com as garotas ou até pegar um picolé no centro da cidade. Eu não era a mesma desde que ele partira e aquilo estava errado. Eu precisava mudar porque ele não voltaria mais. Ou então ficaria assim por um bom tempo, sofrendo em silêncio.

Eu realmente estava me apegando a ele. Ver seu sorriso a cada manhã e rir com ele. Mas estava me iludindo demais. Como eu conseguiria ter aquele garoto para mim? Agora era tarde demais. Seria melhor recomeçar outra vez e fingir que nada havia acontecido. Pensar no futuro e apagar aquela história. Eu queria passar na faculdade e não ter meus pensamentos ocupados por um garoto que nunca mais veria na vida.

Abri a porta para a sacada e senti a brisa balançar meus cabelos soltos. O sol estava animando a paisagem e alguns passarinhos brincavam alegremente atrás de comida. Me escorei para admirar a beleza daquele dia e fiquei dispersa. A rua estava pouco movimentada apesar de eu conseguir ver apenas uma parte dela. E a pracinha continuava lotada de crianças e adultos tomando chimarrão.

Certo. Ali eu estava conseguindo, aos poucos, me concentrar em outras coisas a não ser garotos e problemas. Em alguns dias eu voltaria ao normal e tudo ficaria certo como era antes. Minha mãe pararia de perguntar por que eu não saía mais do quarto e ficava escrevendo frases idiotas e sem sentido no meu caderno de poesias.

As árvores batiam umas nas outras, os passarinhos cantavam, as crianças gritavam, os adultos riam, os namorados se beijavam, os cachorros latiam, os depressivos choravam, as folhas voavam e não havia coisa melhor do que aquilo. Mas algo chamou minha atenção. Uma voz mais alta se destacava das outras e, para a minha surpresa, eu a reconheci.

Olhei para a rua, em frente à minha casa, e o pouco que eu enxergava dela eu vi ele ali. O garoto desaparecido. E ele estava na minha frente, a poucos passos, abandando pra mim, gritando meu nome, sorrindo. Eu não sabia o que fazer. Desesperadamente entrei pra dentro de casa, procurando uma roupa melhor, mas apenas corri para fora de casa, ao seu encontro.

Era incrível quando as coisas simplesmente mudavam ao ponto de me deixar em estado de choque. O momento que eu menos esperava poderia virar o mais feliz da minha vida. Eu não me importava em ainda não saber o nome dele, mas sentir seus braços se envolverem ao redor da minha cintura com uma simples troca de olhares era maravilhoso.

Não precisamos falar nada para expressar o sentimento em que ambos estávamos sentindo. Estávamos completamente ligados um com o outro. Seu sorriso me alegrou ao ponto de eu não poder me sentir firme para dizer algo, mas senti que era necessário antes de acabar perdendo-o novamente.

- Achei que tinha me deixado. - murmurei aliviada por ser uma mentira.

Ele balançou a cabeça.

- Eu te deixei. Para conseguir isto. - falou antes que eu começasse a chorar e estendeu uma chave brilhante.

Franzi a testa. Ele estava de brincadeira comigo. Só podia ser. Eu estava pronta para sair andando dali a qualquer momento. Só dependia da resposta dele.

- O que é isso?

- É uma chave. Venha comigo, vou te mostrar o que ela vai abrir. - pediu e estendeu a outra mão para que eu deixasse ele me guiar.

Foi o que fiz. E ele me levou até a floricultura onde ele me disse que trabalhava e abriu a porta destrancada. Não havia ninguém lá dentro. Continuamos andando até chegar numa porta já conhecida. Ele pegou a chave brilhante e abriu-a. Olhei para dentro e tudo estava diferente. Haviam apenas orquídeas naquele gigante campo e um banco de madeira. A grama estava aparada, luzes brilhantes piscavam ao redor do lugar e uma pequena estradinha levava a um chafariz.

- É todo seu. - disse.

Entendi o que ele queria dizer enquanto entramos no jardim e sentamos no banco. Aquele lugar maravilhoso seria meu. Todo meu.

- Não. - falei e fiz uma pausa. Ele recuou. - Esse lugar não vai ter graça sem o mais importante.

- Não é possível, tentei fazer tudo perfeitamente para você e agora fiquei envergonhado. O que está faltando?

- Você. - e então aquela simples palavra fez com que nossos mundos se unissem assim como nossos lábios.

Você também pode gostar

0 comentários

INSTAGRAM @ MALU DAUER