Conto: Odeio quando você chora

Jessica piscava tentando conter um enorme sorriso. Eu havia acabado de falar que iria fazer os lados dela e do aluno que fazia técnico de...


Jessica piscava tentando conter um enorme sorriso. Eu havia acabado de falar que iria fazer os lados dela e do aluno que fazia técnico de mecatrônica à noite, Matt. Ela tinha uma pequena – grande – queda por ele no início do ano e resolveu finalmente assumir para mim.

Matt era um grande amigo meu. Um garoto com que todas as garotas queriam para si. Eu sempre o achei atraente, mas, depois senti que não teríamos nenhuma chance juntos como um casal. Jessica tinha 17. Era 2 anos mais velha que eu e tinha um jeito cativante de ser. Com seu sorriso fofo e seu 1 metro e 60 de altura tinha, com sua inteligência, o primeiro lugar na olimpíada de matemática. Aquela garota é um gênio e provavelmente Matt, apesar de ter 22 anos, iria gostar dela.

Depois de gritar milhares de vezes um “obrigado!” Jessica foi embora e eu voltei para casa, contente. Iria encontra-lo mais tarde. Vesti um casaco por cima do moletom e saí para a rua. Provavelmente eu o encontraria ali, me esperando. Ao longo da calçada, perto da pista de skate, lá estava ele. Com um sorriso, apressei o passo e me vi correndo para ser recebida por seu grande e macio abraço de urso.

- Oi. – falei animadamente.

Surpreendentemente, eu sempre ficava feliz em vê-lo. Ele, como sempre, estava lindo com seu moletom marrom e aquele conhecido jeans desgastado que eu gostava, deixando-o com um ar mais jovem com seus cabelos loiros bagunçados. Com uma risada, ele me levantou do chão no seu gostoso abraço.

- Oi. – respondeu finalmente.

Antes que pudéssemos voltar a falar senti, no meu bolso da calça, meu celular que me fez lembrar algo importante. Sorri e levantei o dedo pedindo para ele esperar. Peguei o celular e fingi que alguém me ligava. Ele ficou parado observando eu falar sozinha e quando “desliguei”, meu sorriso largo se abriu.

- Era Jessica. – menti.

Ele balançou a cabeça assentindo sem interesse e ficou observando alguns meninos andando de skate na pista. Olhei para os lados pensando no que falar sobre ela. Queria puxar assunto e perguntar o que ele achava dela, mas ele parecia não dar bola para o que eu falava. Cocei a cabeça e respirei fundo.

- Ela mandou um beijo pra você. – sorri quando ele se virou, surpreso.

- Jessica?

Concordei em silêncio ignorando meu sorriso tosco. Ele viu e deve ter sacado na hora por que logo sorriu também tentando disfarçar. Senti algo que não foi muito agradável. Acho que ele gostava dela. Um frio desceu pela minha barriga. E agora? Bom, eu estava feliz. Eu acho. Ao menos, minha amiga o merecia ao contrário de mim. Será que ele gostava mesmo dela?

- O que você acha dela? – perguntei tentando parecer normal, o que – muito pelo contrário – eu não estava.

- Ela é legal. – cuspiu e rapidamente pegou na minha mão. – Vamos, quer que eu te ensine a andar de skate?

Sorri forçado e levantei as sobrancelhas, quase me esquecendo de Jessica. Ele mudara de assunto tão rápido... Será que era por que ele gostava dela ou porque ele nem sequer queria ouvir dela? Aquelas dúvidas me deixavam mais e mais curiosa. Se Jessica perguntasse amanhã o que ele dissera, o que eu diria?

- Ahn, não quer ensinar Jessica também? Posso chamar ela porq...

Ele colocou o dedo sob meus lábios me calando. Confesso que seu toque foi macio e sua mão na minha boca foi algo sensacional. Nossos olhos se fixaram um no outro por um breve momento e a sensação de tê-lo tão perto do meu rosto me fez piscar algumas vezes para checar se estava realmente na Terra. Desviei os olhos dos dele respirando pesado, controlando meus pensamentos e minha boca, antes que eu dissesse alguma porcaria.

- Quero ensinar você a andar. Você topa? – perguntou me puxando para a pista.

Muitos dos garotos nos olharam enquanto faziam suas manobras radicais tentando deixar algumas garotas ali perto de boca aberta. Arregalei os olhos ao reparar que dois de meus amigos estavam ali admirando alguns meninos sem camisa. Abaixei a cabeça timidamente quando eles abanaram escandalosamente para nós e se levantaram para nos cumprimentar. Tentei não prestar atenção em Matt porque ele provavelmente devia estar chocado ou meio assustado com meus amigos estranhos.

Sorri enquanto eles se aproximavam. Guilherme é um garoto moreno, alto, inteligente e querido que eu conhecera no colégio e tem um senso de humor ótimo e uma tentação chamada Britney Spears. Vestia uma camiseta branca com decote “V”, um jeans azul, seu famoso All star branco – que eu amava – e a bonita correntinha que não tira pra nada. Ele estava ali com Dayse para ambos observarem os meninos gostosos, já que é gay – e um gay muito fofo pro meu gosto.

Já, Dayse, é uma garota não muito magra tampouco gorda com pele branca e cabelos loiros batendo no ombro, sua beleza e seu corpo são as coisas que mais chamam atenção. Com seus 16 anos, não parecia tão velha com sua aparência tão bem cuidada e atraente. Confesso que ela causa inveja em muitas garotas do colégio – inclusive eu – mas sempre nos demos bem, com seu jeito meigo e delicado.

Matt sorriu para os dois com bastante educação.

- Meg! Que bom encontrar você aqui... – começou Gui, mas se interrompeu ao reparar na beleza de Matt. Soltou o ar num silvo e ficou quieto.

- Gui, Day... Esse é Matt, meu – fiz uma pausa – amigo.

Dayse levantou as sobrancelhas. Eu já havia comentado sobre ele para os dois, que ele era um deus grego e que qualquer garota cairia aos seus pés, mas naquela hora os dois finalmente deixaram a ficha cair e soltaram um “oh”. Engoli um sorriso enquanto Gui admirava os detalhes do corpo de Matt e deixei-o ali o saboreando enquanto puxei assunto com Dayse que entendeu meu olhar do tipo “me ajude”!

- Então, Matt, quantos anos você tem? – começou ela.

Sabia que Dayse era super sociável e sempre se dava bem com estranhos – principalmente garotos – e dei graças a deus quando ela começou o assunto. Normalmente sempre começando a fazer perguntas para ele depois deixa-lo saber um pouco sobre você. Essa parte eu sabia. Só não havia pegado o jeito (ainda).

- 22. – respondeu com um sorriso quando ela fez uma cara de apavorada.

- Meu Deus, você parece ter 17. – ofegou tentando manter-se calma.

Percebi seu nervosismo. Também ficava louca quando falava a sós com ele. Mas com a gente era sempre bem diferente. Estávamos sozinhos e mesmo assim respeitávamos o limite um do outro. Percebi que o assunto estava rolando com a maior naturalidade do mundo. Nem estava prestando muita atenção até que ouvi o que Matt falou. Sobre mim.

-... E Megan disse uma vez que queria aprender a andar de skate um dia, mas que tinha medo, então trouxe ela aqui para ensina-la.

- Ah, bem, então não vamos atrapalhar vocês dois. Quero dizer... Divirtam-se! – gaguejou ela, percebendo que o assunto terminaria por ali.

Dayse sorriu para nós dois e foi puxando Guilherme consigo que depois de voltar do transe mexia no celular, parecendo mandar mensagem para alguém. Como sempre, mais uma fofoca para contar. Amanhã, todos estariam me enchendo de perguntas de como fora a nossa tarde, se eu o havia beijado e como ele era lindo. Mas nada de mais acontecia. Eu estava ali com um só propósito: juntá-lo à Jessica.

- Seus amigos são legais. – murmurou quando andávamos para sentar em baixo de uma árvore, esperando a pista esvaziar.

Tínhamos esquecido completamente do skate e agora só nos preocupávamos um com o outro. Até seria melhor assim. Demorei um pouco para pensar no que responder enquanto olhava os dois se afastarem, sussurrando coisas um para o outro.

- Gosto deles. Me sinto bem quando estamos juntos. Parece que são uma segunda família para mim. – respondi pensando no que ele iria pensar.

Ele concordou. Parecia estar agradando. Esperamos em silêncio. Como se fazia aquilo mesmo? Eu teria que esperar ele perguntar algo ou eu perguntaria antes? Esqueci de tudo tão rapidamente que foi fácil ficar nervosa de novo e perder o controle dos meus pensamentos. Na verdade eu até que estava me saindo bem. Pelo menos ainda não havia pulado em cima dele, forçando um beijo ou algo assim.

Tentei pensar num assunto legal e que duraria uma conversa mais prolongada e divertida, então eu poderia mencionar Jessica e ele começaria a me perguntar dela. Assim seria simples de juntá-los pelo menos uma vez. Até agora estava sendo um pouco difícil com tudo o que acontecera.

- Que filmes você curte? – comecei. Tá. Eu sabia a resposta. Ele adorava a trilogia de Senhor dos Anéis, mas achava meio nerd demais então gostava de falar a maioria das vezes sobre filmes de ação. Eu sabia tudo sobre ele.

Ele soltou uma risadinha enquanto olhávamos os garotos correrem pelas pistas. Observei um mais alto. Cabelos pretos, provavelmente tingidos, com as costas cobertas de tatuagens estranhas e sem sentido e o rosto cheio de piecings. Fiquei analisando suas manobras e tentativas de deslizes enquanto esperava por uma resposta de Matt que estava calado, desde então.

- Sabe, gosto de “O Turista” por que...

Mas antes que ele pudesse continuar eu lembrei que Jessica amava demais aquele filme, recitava as falas de cor e conhecia as cenas do início ao fim – além de amar demais o ator Johnny Deep. Disfarcei que estava ansiosa, com uma tosse, e olhei-o.

- Jessica ama esse filme! Poderíamos marcar uma sessão...

- Megan, porque você só fala da Jessica?

Fui calada por aquela pergunta e deixei o ar passar com um “ah” e fechei a boca com um rápido movimento. Devia ter dito alguma merda. Ele parecia cansado daquela conversa. Será que ele estava cansado de mim? Trinquei os dentes com um rangido e esperei ele se explicar.

- Desde que nos encontramos hoje você só vem falando dela. Tem algo errado? – franziu o cenho e aquela cara que ele fez deixou meu coração quase pular pela garganta.

Pensei olhando para os lados. Droga. Os garotos com skates pareciam me olhar e gritar “Megan, você é muito burra!” então dei de ombros e respirei fundo para encarar o problema. Teria que dizer a verdade. Odiava mentir e esconder algo dele; também porque sabia que depois ele descobriria igual. Então, para prevenir, comecei a entregar o jogo.

- Bom, pensei que você e a Jessica podiam...

Ele explodiu com uma risada. O som que eu adorava ouvir.

- Eu e Jessica?

Sabia que não daria certo. Mesmo que não sabendo a resposta exata dele. Eu na verdade não queria os dois juntos porque simplesmente quando eu tentava pensar na cena minha barriga dava giros e eu sentia que havia algo errado. Eu sabia que no fundo eu estava com inveja dela. Mas era difícil de admitir porque ela era minha amiga, mas eu não a queria do lado dele.

- Matt, eu... Eu te amo. – falei sem respirar e me arrependi.

Tarde de mais Megan.

Ele sorriu com a minha frase inesperada.

- Eu estava mesmo pensando que havia alguém melhor que ela... – e foi diminuindo a voz à medida que ia se aproximando de meu rosto.

Sim. Aquela pessoa que ele falava que era melhor que Jessica era eu. Ele estava falando que me achava “boa” pra ele. Ah eu iria morrer se ele me beijasse. Eu iria morrer. O que eu faria? Eu nem se quer sabia beijar. Droga. Iria pagar um mico gigante e ele iria rir da minha cara. Seria uma merda. E eu não conseguiria dormir por uma semana.

Ele me olhou e aproximou-se a ponto que me fez sentir seu hálito agradável em meu rosto. Sorri antes de ele finalmente encostar seus lábios aos meus. A sensação no inicio foi estranha, mas ele aos poucos foi me ensinando e eu me soltei mais para abraça-lo enquanto ainda nos beijávamos. Com as mãos nos seus cabelos, senti envolver minha cintura e me puxar para mais perto de si.

E aquele momento ali embaixo da árvore se tornou especial.

Havíamos esquecido completamente de todo o resto. Do skate, do sol que desaparecia aos poucos e a hora que corria contra nós. Sem fôlego, nos separamos para olhar a reação um do outro. Ele sorriu. Pelo menos aquilo já era uma resposta – e das boas – que me fez sentir melhor. Fora uma experiência ótima. Ele ainda me segurava perto de si e respirava meu perfume.

Levantei e ele acompanhou meus movimentos. Hora de ir para casa. Coloquei a mão na cabeça. Aquela tarde realmente tinha se tornado mais do que uma simples tarde qualquer que eu sempre saía com ele para conversar sobre os mesmos assuntos nos mesmos lugares. Fora algo novo. E ambos aprovamos essa novidade.

- Preciso ir. – comecei esperando ele me impedir de novo com outro beijo.

- Antes, preciso contar algo.

Não deixei que ele falasse. Eu sabia que ele me amava também e não precisava que ele dissesse aquilo em voz alta por que eu o sentia em mim ainda. Seu gosto doce e quente em mim. Silenciei-o com um gesto de mãos e toquei nossos lábios novamente por um breve momento deixando-o tentado a querer mais e saí andando com os pensamentos a milhão.

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Minha mãe ainda devia estra no trabalho por que quando acordei não havia nenhum sinal dela. Liguei o computador, mas logo em seguida me lembrei de que não devia contar nada sobre o que acontecera no dia anterior a ninguém antes que Matt decidisse se alguma coisa realmente existia entre nós. Não devia contar a Jessica, pois ela ficaria furiosa comigo. Era para ela ter beijado Matt e não eu.

Fiquei no quarto, sozinha, por um tempo e, ao trocar de roupa, decidi que iria tomar café da manhã antes que minha barriga explodisse de fome. Me arrastei até a cozinha e parei. Por que eu estava assim com esse modo de andar todo errado? Eu devia estar feliz. Matt me beijara e aquilo fora especial de mais para mim. Arrumei minha postura e continuei andando com um sorriso.

Preparei um cereal delicioso com calda de chocolate e um copo de leite. Cantarolei uma música que me lembrava ser do Bruno Mars e fui interrompida pela campainha desafinada. Quem será que era àquela hora? Olhei para o relógio. Era 12:28 já? E eu ainda estava comendo cereais ao invés do almoço! Com uma risada silenciosa fui até a porta e quando abri me deparei com ele.

Matt não estava sorrindo como eu esperava. Na verdade, eu não esperava ver ele ali àquela hora na porta da minha casa, mas seu lindo sorriso não se encaixava naquele rosto tão sério. Será que ele não gostara do meu beijo de ontem? Estremeci e sorri mesmo assim, querendo saber o motivo da sua vinda inesperada.

- Megan, precisamos conversar.

Me arrepiei com o tom de frieza de sua voz ao falar meu nome. Aquele tom fez-me ficar completamente assustada. Com a cabeça, convidei-o a entrar e enquanto sentávamos no sofá, em silêncio, comecei a pensar no que eu havia feito de errado naquela tarde. Mas não havia motivos. Matt estava sorrindo quando me despedi e depois não fez questão de me ligar ou qualquer coisa parecida.

- O que foi? – deparei-me com minha voz sufocada e sem ar.

- Sarah e eu vamos nos casar.

O baque foi forte. Aquelas palavras me pegaram desprevenida e eu senti que poderia morrer ali mesmo, deixar aquela vida inútil e parar de ser a garota imprestável que eu era. Sarah era a namorada de Matt, com quem estava tendo uma relação séria há muito tempo. Ela tinha a mesma idade que ele, ambos 22. Era uma garota bonita, mas que o deixava meio mimado às vezes, o que eu evitava fazer.

Ele iria se casar com aquela manipuladora? Ela me odiava e sentia ciúmes de mim quando eu estava com ele. Mas o que eu fizera para merecer tudo aquilo? Matt e eu éramos tão próximos e agora eu me sentia tão longe dele, com tantos segredos escondidos. Tentei engolir a dor, mas quando vi já estava chorando desesperadamente.

- Porque não me contou? – gaguejei afogada nas lágrimas que caiam sem parar.

Balançou a cabeça tentando disfarçar que não estava preocupado ou abalado. Ignorei seu jeito e pensei no futuro. Nunca mais o veria, falaria ou sequer daria um “oi” para ele caso sua esposa decidisse me matar ou alguma coisa parecida por culpa de seu maldito ciúme por uma garota de apenas 15 anos. Tem coisa mais esquisita que essa? Ele limpou a garganta com uma pigarreada rápida que me fez parar de pensar tanto naquelas besteiras e olhá-lo.

- Eu tentei. Ontem. Mas você não me esperou terminar de falar.

Comecei a lembrar do dia anterior quando tudo ocorreu e lembrei-me do que ele tentara me dizer. Então era isso. Ele não ia me dizer que me amava, mas sim dizer que ia casar com aquela garota tosca que... Sim, aqueles eram os malditos sintomas de que eu estava morrendo de ciúmes dela. Mas que droga!

- Então... Porque me beijou? – funguei alto.

Ele deixara me iludir por desejos de seu beijo e depois me diz que vai casar? Como ele queria que eu reagisse a uma situação dessas? Tanto achava que teríamos um ao outro para sempre e agora tudo voara com o vento que fazia as árvores do jardim bater na janela da sala. Engoli algumas palavras. Não estava pronta para dizer qualquer coisa que pudesse machuca-lo. Sempre quisera o bem dele e não mudaria isso por nada no mundo.

- Porque não queria perder você. Sinto muito.

Quando ele se levantou, eu fiz o mesmo. Não podia me deixar assim, ali, sozinha como se tudo que existiu entre nós fosse apagado como um grande borrão no passado. Eu não iria esquecer aquilo e não deixaria que ele me esquecesse.

- Não vá. – pedi segurando sua mão, mas ele me soltou de seu toque macio se afastando e foi embora enquanto eu deixava mais algumas lágrimas rolarem.

1 ano depois...

Eu sabia exatamente onde eu devia estar nesse exato momento e não pensei duas vezes em pegar o carro e sair correndo. O caminho não era difícil. Ao passar pelo hall de entrada, dobrei à direita e cumprimentei a secretária antes de chegar à desejada sala pequena e cheia de armários. E ele estava lá.

Vestindo uma regata, um jeans velho e um avental sujo, encontrei-o escorado em um velho calhambeque arrumando alguma parte mecânica do carro. A única visão que eu tive foi de suas costas largas e bem trabalhadas que me fizeram suspirar. Ele, então, finalmente notou minha presença e sorriu.

- Oi. – disse ainda meio focado no trabalho.

- Tá ocupado? – perguntei esperando ansiosamente ele não me mandar pra fora.

Bateu a porta do carro e limpou suas mãos sujas de graxa num pano velho que estava em seu bolso. De relance, vi aquele brilhante, bonito e desejável anel em seu dedo anelar. Seu anel de casamento. Ignorando a raiva profunda de Sarah Winnie naquele instante, sorri quando seus olhos azuis encontraram os meus castanhos.

- Não. Pode falar. – respondeu se encostando a um dos armários como eu fazia.

Reparei na distância que ele mantinha de mim. Sei que parece loucura, mas eu a recém completara meus 16 anos enquanto ele estava na beira dos 23. Ele tinha uma esposa e eu era apenas a garota imbecil que ainda o perseguia.

- Vim para te ver. – murmurei engolindo a timidez que me tomava.

Ele se afastou para me olhar tipo “não está me vendo agora?” e virou o rosto para não ter que aguentar aquele ar tenso que estava entre nós dois. A vontade que tinha era de, ali mesmo, agarrá-lo e dizer o quanto nós éramos um do outro. Ele esqueceria Sarah e nós ficaríamos juntos. Mas tudo parecia tão difícil depois que o inesperado acontecera.

- Antes do casamento era tudo tão mais fácil entre nós... Eu gostava do antigo Matt. Que me abraçava quando eu sentia frio e contava piadas quando eu estava triste. – sussurrei contendo o nó que se formava em minha garganta.

Matt levantou o rosto e me olhou com o conhecido rosto do menino que eu amava, me reconfortando. Mas não foi o que eu senti. Ele estava com medo de se expressar, que eu o entendesse errado. Sarah provavelmente chegaria ali e começaria a fazer a maior cena.

- Mas agora algumas coisas mudaram, Megs... – e se calou quando, sem querer, disse meu apelido que ele mesmo dera na época em que éramos quase mais que amigos. No fundo eu sabia que ele ainda gostava de mim e que ambos sentíamos falta daquele tempo.

O espaço entre nós era pequeno, mas havia uma parte de mim que sabia que, mesmo sendo pequena, a distância que cada um mantinha do outro era enorme. Eu queria tocá-lo. Me sentir pequena em seus braços grandes e fortes, protegida por seu amor. Mas com aquela situação, estava sendo difícil conseguir algo.

Me aproximei enquanto ele se mexia. Eu sentia o calor de nossos corpos e a vontade de agarrá-lo era imensa, mas me contive ali, colada ao seu corpo. Suspirei cabisbaixa enquanto ele procurava meus olhos.

- Quero que saiba que sempre vou continuar amando você. Vou estar aqui quando precisar. – murmurei perto de seu rosto, jurando que iríamos nos beijar até ele virar o rosto.

Uma pontada de decepção e culpa jorrava sobre meus ombros e eu caí na realidade. O que ele iria querer comigo? Ele estava casado e tinha sua própria vida. Não. Eu não admitia isso. Ele era meu e nós nos pertencíamos. Tinha que haver alguma coisa...

- Megan, não pense... – mas antes que ele pudesse terminar de falar, eu não segurei o meu desejo e o silenciei com um beijo.

E foi exatamente como eu esperei. Sabia que ele me corresponderia. Nós dois sentíamos falta daquilo. Estávamos cercados de armários. A porta da mini sala de mecânica estava fechada e havia um carro do outro lado, esperando ser concertado. Mas nada mais importava. Estávamos conectados outra vez. Encaixados.

Seu corpo enorme envolvia o meu de certa forma que todo o lugar se aquecia com seu calor. Estiquei meus braços para poder agarrar seus cabelos loiros como eu gostava de fazer, mas ele nos interrompeu surpreendentemente. Afastou-se e olhou-me com seus olhos fervorosos.

- Vá. Antes que Sarah a veja aqui. – sussurrou rapidamente e abriu a porta para eu correr.

Antes de fugir discretamente, pensei no que havia acabado de acontecer e se nós dois teríamos uma chance, mas acho que não precisava de resposta. Sorri.

- Não vou me esquecer disso. – murmurei e o deixei ali, parado.

Saí pela porta dos fundos da secretaria sem ninguém me ver e fiquei observando pelas persianas quando uma mulher alta, loira e bonita se aproximou e após cumprimentar a secretária, andou em direção à sala que eu acabara de deixar.

Sarah foi recebida pelo marido, Matt, com um beijo doce. Mas não foi o mesmo Matt que me beijara há minutos atrás. Aquele era um homem vestido de garoto e não o meu garoto vestido de homem. Ele tirou o avental e acompanhou a esposa até a saída enquanto eu também saía silenciosamente.

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Rolei pela cama e olhei para o relógio que marcava 10:26. Um sábado florido, ensolarado e alegre. Lembrei que Matt também trabalhava aos sábados. Não recebi nenhuma ligação muito menos um SMS. Ele tinha meu número. Se precisasse, ligaria. Não aguentava mais. Precisava vê-lo. Como eu faria para que isso desse certo?

Abri o guarda-roupa e escolhi minha roupa mais nova. A blusa que ele mais gostava combinava com meu jeans favorito e meu All Star branco meio sujo. Se ele não viesse até mim, eu iria até ele. Sorrateiramente, abri a porta do quarto sem fazer barulho e fui até meu carro. Liguei-o e dirigi até a mecânica que eu conhecia bem desde os meus 11 anos.

Ao entrar, um homem velho me recebeu educadamente perguntando se meu carro tinha algum problema e eu apenas sorri. Era a partir dali que eu colocaria meu plano em ação.

- Marquei uma vistoria com um dos seus funcionários, Matt. – menti com um leve sorriso fofo nos lábios, tentando convencê-lo de que era verdade.

O senhor franziu a testa e foi conferir na maldita agenda. Droga. Fora descoberta.

- Desculpe, senhorita, mas Matt está um pouco atrasado e não chegou ainda. Queira aguardar um pouco, por favor? – avisou indicando as poltronas confortáveis da secretaria.

Com um sorriso desajeitado e um tanto forçado; sentei-me, dura, em uma das cadeiras e peguei uma revista fingindo estar interessada nos importantes assuntos sobre carros e motores. O relógio da secretária avisou 11 horas e eu comecei a ficar preocupada quando a porta se abre e ele aparece, para salvar o dia.

- Matt, aí está você. Sua cliente está esperando. – grunhiu o homem ao garoto que me olhou um tanto surpreso.

Depois de Matt pedir muitas vezes por desculpas e me encarar com profundas duvidas, nós dois nos fechamos na mesma sala. O clima estava estranho. Enquanto ele amarrava o avental, seu rosto mostrava desespero e preocupação. Não consegui permanecer em silêncio por muito tempo.

- O que aconteceu? Porque está assim? – tremi pensando em seu sofrimento.

Vê-lo triste era a pior coisa que eu esperava acontecer. Uma parte de mim tinha pena, a outra queria reconforta-lo. Nunca sabia a melhor coisa a se fazer. Eu tenho 16 anos! O que mais eu posso querer?

- Eu e Sarah brigamos, de novo. – disse e abriu meu carro para começar a vistoria.

Sim. Eles haviam brigado. Não. Aquilo não era legal. Eu não sabia se ficava feliz ou se lamentava por ele. Espera! Ele disse “de novo”? Engoli em seco. Então fazia mais tempo que ele estava sofrendo em silêncio e eu não sabia! Que tipo de garota eu penso que sou?

- De novo? – repeti, em voz alta.

Ele levantou os olhos para me olhar. Eu vira a dor em seus olhos. Era visível para mim. Uma pontada de culpa me invadia e eu não consegui segurar as lágrimas. Eles haviam brigado. Provavelmente por minha causa. Eu estava os separando aos poucos sem ao menos saber disso.

- Com Sarah é tão diferente.

- Não quero que briguem por minha culpa...

- Eu comecei a briga. É tarde. Vamos nos divorciar.

- Não... – balbuciei em meio às lágrimas

Ele balançou a cabeça para eu esquecer aquilo, com um sorriso bobo no rosto – o meu sorriso – e se aproximou me puxando para um abraço.

- Sabe que eu odeio quando você chora.

Com uma risada, nos abraçamos mais forte. Matt agiu diferente. Como da primeira vez em que nos conhecemos. Segurou meu queixo e depois de olhar profundamente nos meus olhos, me beijou. Peguei nos seus cabelos e senti seu perfume gostoso na minha pele.

- Você voltou. – sussurrei em seu ouvido.

- Voltei para você.

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