Contos
Conto: Turista
15:45A semana já estava sendo péssima, porém ficou ainda pior quando meu pai avisou que teria uma reunião em outra cidade e, para o nosso azar, iríamos junto com ele. Ótimo. Ao menos estávamos na praia, bem longe de onde eu morava. Sem ninguém conhecido para ver, nenhum amigo, nem ao menos um sinal de celular decente. Entrei no carro bufando e coloquei os fones de ouvido para aguentar aquelas duas horas de viagem.
O centro daquela cidade rica era, infelizmente, muito pequeno pra mim. Com o dinheiro que meu pai deixou, não daria para comer o suficiente e ainda sobrar um pouco para ser feliz. Observei as vitrines com roupas caríssimas e lindas e levantei o olhar para aquela calçada vazia. O sol estava quente demais, quem sairia àquela hora para andar? No fim da rua estava a praia. Sem muita opção, andei em direção a ela quando minha barriga roncou. O relógio marcava 13:13. Já estava tarde para o almoço, mas, mesmo assim, procurei por um restaurante.
A reunião iria demorar, então entrei com calma e li o cardápio lentamente sempre comparando preços. Eu não era de gastar muito. Claro que eu preferia gastar com coisas que realmente valessem mais a pena do que comida. Eu gostava de comer, mas aqueles valores estavam absurdos! Arregalei os olhos e meus pensamentos foram interrompidos quando eu coloquei meus olhos nele.
Eu já o tinha visto em algum lugar. Eu conhecia ele. Seu rosto era familiar. Moreno, alto, costas fortes, porém magro e nada super musculoso. No primeiro contato de olhares, abaixei a cabeça rapidamente afundando os olhos no celular e a resposta estava ali naquele visor colorido. A coisa mais bizarra que eu já havia visto. Aquele garçom era simplesmente igual ao meu ídolo. Fitei a foto no fundo de tela de meu Blackberry e segurei o ataque de riso espontâneo que quase saiu pela minha garganta.
Ele se aproximou da minha mesa, como qualquer homem da mesma profissão faria, e eu, paralisada, admirei-o.
- Já decidiu o que irá tomar?
Sua voz veio como música nos meus ouvidos. A música que meu ídolo cantava. Eu estava apaixonada. Era incrível como a semelhança estava presente ali. Com a cabeça levantada, acompanhando sua altura absurdamente igual a do cantor internacional, eu conseguia descrever cada detalhe da roupa que ele usava. Camisa branca de mangas compridas um pouco dobradas nos pulsos, gola dobrada abaixo da garganta onde eu vi ali seu pomo de adão subir e descer enquanto falava comigo. Descendo um pouco o olhar, observei sua calça comprida perfeitamente desenhada pra ele devido ao cumprimento das pernas finas e compridas, terminando nos pés onde calçavam um brilhante sapato preto e bem lustrado.
Seu rosto me olhava, em dúvida, aguardando minha resposta. Os mesmos traços, mesmas feições, as sobrancelhas levantavam da mesma maneira que meus ritmos cardíacos aceleravam.
- Guaraná. – respondi
O garoto sorriu em resposta e se retirou. Aproveitei para me ajeitar na cadeira de madeira, arrumar minha postura e tentar parecer elegante para aquela riqueza toda que não me pertencia. O restaurante era chique e com belas decorações. A comida também devia ser maravilhosa. Maravilhosamente cara. Depois de dar mais algumas várias olhadas no cardápio a minha frente, decidi enfrentar iscas de filé acebolado com molho de maracujá, arroz, batatas fritas e ovo. Credo.
A entrada foi um prato de salada com kiwi e melão. Conseguindo comer tudo educadamente, tomei um gole de refrigerante me acomodando novamente na cadeira esperando pelo prato principal. O garoto andava pelas mesas atendendo outros clientes, e eu não conseguia desviar o olhar. Inferno. Ele já devia ter percebido... Engoli em seco. A mesa seguinte, onde ele parou para largar uma garrafa de água, estava meu pai e seu colega de trabalho na maldita reunião.
- Bosta. – mergulhei para trás do cardápio – Tudo bem, tenho que fingir que está tudo normal. Ah, porque isso sempre tem que acontecer comigo?
Dei uma olhada discreta para a mesa e os dois conversavam entretidamente. Não deviam ter reparado na minha presença. Para a minha sorte, o lugar começou a encher de gente e eu me tornava cada vez mais insignificante. Ao longe, o garoto garçom se aproximava com o meu prato equilibrado na mão acima da cabeça. Delicadamente, ele colocou-o na mesa com seus dedos ágeis e sorriu.
- Bom apetite.
Agradecida e ainda meio encantada, segurei os talheres comendo cuidadosamente cada pedaço sem fazer escândalo. Eu odiava comer com classe. Odiava a regra dos talheres um de cada lado, guardanapo no colo, coluna reta, penas cruzadas e sei lá eu o que mais as pessoas inventavam para aquela droga toda. Indignada, comi silenciosamente. Estava delicioso. Mas meus olhos ainda corriam pelo restaurante a procura daquele corpo sedutor.
Eu precisava saber o nome dele. Aquele era o meu objetivo principal depois de cruzar os talheres em cima do prato vazio. Molhei meus lábios com as últimas gotas do refrigerante que havia no copo, ainda cuidando para não ser vista pelo meu pai, e limpei minha boca no guardanapo quando tive uma brilhante ideia. Eu só precisava de uma caneta e então poderia dar um recado ao garçom assim que ele viesse a minha mesa novamente. Era uma ideia meio estúpida e infantil, mas a única que podia ser passada despercebida pelos outros. Porém, para a minha infelicidade, o garoto não apareceu mais. Eu esperei. Enrolei por vários minutos. Comi o mousse de chocolate mais doce que eu já comi na minha vida só para poder vê-lo novamente, mas ele não apareceu. Mas que desgraça. Levantei o dedo e outro garçom veio me atender rapidamente.
- Eu quero a conta, por favor?
Não sabia outro jeito de dizer aquilo educadamente. Pra mim, mais pareceu um insulto, um chingamento, um desabafo. Eu estava arrasada. Coloquei o dinheiro dentro do envelope de couro e levantei da cadeira com um peso na consciência. Eu devia ter tomado a iniciativa antes de ter sido tarde demais. Claro que o final não acabaria feliz. Eu não estava num filme, muito menos um estúpido conto de fadas. Andando pela calçada novamente, suspirei fundo.
Havia uma coisa, sim, que eu podia tentar.
Corri de volta ao restaurante, porém na porta vi meu pai sair com o homem. Parei um pouco antes, esperando alguma passagem livre. Os dois ainda conversavam intensamente e nem me viram passar por suas costas. No balcão, encontrei o mesmo homem para quem eu havia pago o meu almoço e encarei-o por um momento. Ele se aproximou, disposto a ajudar qualquer coisa que eu precisasse.
- Aquele garçom... – fiz uma pausa. Como eu iria falar aquilo? – O mais novo. – esperei que ele fosse entender, mas ele apenas levantou as sobrancelhas – Aquele alto, magrinho...
- É o Abraham de quem ela ta falando? – interrompeu um garçom que eu ainda não havia visto ali
Assenti esperançosa.
- Acabei de entrar no lugar dele. Ele faz o turno até as duas e depois vai pra casa. Porque a senhorita pergunt...?
Antes que qualquer um pudesse tirar alguma palavra de mim, corri para atrás de alguma sala perto da cozinha e, ao abrir uma porta, me deparei com a cena mais engraçada do dia. Me surpreendi quando o vi na minha frente, sem camisa, aquele corpo me chamando... Tentei desviar os olhos, porém o que consegui foi dar um sorriso desajeitado enquanto colocava a franja atrás das orelhas e arrumava meus cabelos embaraçados. Olhei para ele enquanto terminava de vestir a camisa polo que marcava seu abdômen magro e esperei.
Seu rosto demonstrou surpresa. Primeiramente, fiquei sem saber como reagir. Eu queria falar pra ele como eu me sentia. E uma vontade louca de beija-lo, me invadia. Nós nem nos conhecíamos. Iria se ridículo eu beijar ele sem ao menos termos conversado antes. Claro que não iria acontecer 100% como eu imaginava. Ele guardou sua roupa dobrada num armário grande e começou a arrumar uma mochila.
- Não gostou do almoço? – disse soltando uma risadinha gostosa
Balancei a cabeça. Ele estava distorcendo a cena. Não era bem isso que eu estava esperando. Me escorei no pequeno frigobar e acompanhei ele terminar de fazer seu trabalho. Eu precisava de uma deixa para poder começar a perguntar algumas coisas. Parecia que eu estava falando sozinha ali. Nada adiantaria eu ficar parada esperando resposta se ele não estava interessado. Era lógico que eu não falaria para ele sobre a comparação que eu havia feito com um cantor. Eu iria parecer uma criança. Aliás, levantando as sobrancelhas, aproveitei para chutar quantos anos ele devia ter. Provavelmente ele não devia nem chegar perto dos 20.
Meus pensamentos estavam voando. Fiquei refletindo sobre muitas coisas durante aquele silêncio onde nenhum assunto parecia fluir. Que inferno. Logo, meu pai me ligaria para saber onde eu estava. Então iríamos pra casa.
- Aqui é área exclusiva para funcionários – avisou batendo de leve na plaquinha que estava grudada na porta
- Desculpe, não pude evitar.
- Se há algo errado, fale. Você pareceu ficar feliz em me ver. Nos conhecemos?
Droga. Estava tudo dando errado. Eu devia sair dali sem ao menos falar nada?
- Não. Desculpe pelo mal entendido. Sou Sophia.
- Sou Abraham. Porque não vamos lá pra fora? Esse cheiro de gordura deve estar matando você.
Ele abriu a porta dos fundos e nós dois saímos para o calçadão. Por sorte, não vi meu pai por lá. Ele colocou as mãos no bolso da calça jeans azul e andamos em direção à praia. Pareceu ficar mais a vontade quando viu que eu só queria conversar. Tirei meus chinelos quando chegamos à areia e senti meus pés afundarem naquele chão fofinho e quente. O sol não estava mais tão forte e a temperatura não tão alta. Tudo estava perfeitamente agradável. Porém não arrisquei olhar para o relógio em nenhum momento.
- Você mora por aqui? – perguntou curioso
- Não, sou turista. – brinquei
Ele fez um som engraçado com o nariz, o que fez parece uma risada, nos sentamos na beira do mar e eu fiquei olhando o sol se pôr. Sol se pôr??? Que horas devia ser? Eu precisava ir pra casa. Onde estava meu pai? Ah mas que porcaria. Coloquei as mãos na cabeça e ofeguei.
- Você precisa ir?
Resmunguei assentindo e fiz uma careta.
- Tudo bem. Nos vemos de novo?
- Acho que sim.
Meu coração disparou, alegre. Então, teríamos chance de nos vermos outra vez. Me levantei e ele me acompanhou lentamente. Foi difícil pensar que eu voltaria pra casa sem ao menos um contato dele. Nos abraçamos e ele pareceu coloca algo no bolso da minha calça. Fui me afastando em silêncio enquanto ele me olhava ir embora. Ao longe vi meu pai esperar por mim no carro e, quando entrei, aproveitei para ver o que estava dentro do meu bolso. Era um papel e, para minha felicidade, estava o número do telefone dele. Na volta para casa, fiquei sorrindo sem ao menos saber se aquilo daria certo ou não, mas eu arriscaria tentar.
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