Contos
Conto: Segunda-feira
23:05- Bom dia, filhota.
- Oi mãe. – resmunguei no meio de um bocejo
Ela alcançou a xícara para mim e eu tomei um longo gole da bebida quente. Antes que pudesse apreciar o sabor, me engasguei.
- Não colocou açúcar de novo mãe! – gritei logo depois de cuspir o resto na pia
Com uma careta, ela foi procurar o açucareiro.
- Desculpe Carolina, ando meio atrapalhada ultimamente.
- Tudo bem. – terminei de beber, sentei na cadeira pra colocar as meias e depois calçar os tênis
Ela me observou sem falar nada. Depois de escovar os dentes, peguei a chave de casa e abri a porta.
- Tchau mãe! – gritei
Rapidamente, ela apareceu para me dar um beijo na testa e me entregar uma maçã.
- Boa corrida.
A porta se fechou atrás de mim, coloquei os fones, e comecei a andar. Morávamos em um bairro de luxo numa região pouco movimentada da cidade. Tínhamos tudo à nossa disposição, inclusive uma grande praça a duas quadras da nossa casa. Faziam poucas semanas que eu adquiri um método saudável de vida. Parei de ser sedentária e de me alimentar mal, começando uma nova etapa. Desde a conclusão do ensino médio, meu contato com esportes caiu. Comecei a ter problemas de coração e o médico sugeriu pequenas corridas durante a semana. Foi aí que decidi mudar. Para melhor. Além do mais, eu queria ficar bonita também.
E então surgiu um acordo com a minha mãe. Ao invés de pagar uma academia, eu me exercitaria sozinha e ela me daria o dinheiro. Comecei a pesquisar na internet e vi que não era tão difícil. O que eu precisava mesmo era de disposição e motivação. Chega de preguiça nesse corpo!
Respirei fundo. Inspirar e expirar. Dei uma mordida na maçã, desci a rua e cheguei à praça. Logo cedo, algumas pessoas já começavam a aparecer. Era quinta-feira. Me aproximei de um banco e comecei a me aquecer. O sol em cima de mim parecia sorrir. Estava um dia tão bonito que acabou por ser minha inspiração para me dedicar em mais um dia. Pronta para a maratona, andei até a calçada e comecei a caminhar no ritmo da batida da música. Passando por alguns moradores do bairro, me concentrei em não diminuir os passos. Comecei a correr. Logo, aquilo se tornou um movimento automático e eu já estava na quinta volta.
Foi rápido. Assim que terminei a última volta, procurei o bebedor perto da quadra de tênis. Havia um homem bebendo. Esperei enquanto olhava a partida do jogo. Eles eram bons. O que estava ganhando bateu forte a raquete na bola que a fez pular ao meu encontro. Peguei-a e joguei de volta a ele que levantou o polegar, agradecendo. Sorri e tomei água. Como se não houvesse amanhã. Então percebi que estava mesmo cansada. Olhei no relógio e fiquei aliviada em ver que já era hora de voltar pra casa. Mais um dia completo.
Devagar, voltei para casa. Minha mãe me recebeu com o almoço pronto e eu enchi meu estômago, repondo as energias gastas. Quando cheguei ao meu quarto, me joguei na cama suspirando. Desejei por um momento apagar ali. Dormir por dias. Meu corpo pedia descanso. Mas não foi o que fiz. Fui para o banheiro e tomei um banho gelado. Me ajudou a refrescar, relaxar e acordar. Abri meu notebook e entrei no Twitter. Meus amigos estavam lá, conversando, falando besteiras e coisas sem sentido. Passei um tempo com eles e depois pintei as unhas. Era uma tarde longa e tediosa.
Pelas 18h eu não agüentei mais e voltei para a praça. Gostava de passar meu tempo lá. Ao ar livre. Sem preocupações com aulas e provas. Eu estava de férias. Merecia aquele tempo pra mim. Procurei um banco livre em baixo de alguma árvore e me sentei, observando as pessoas que por ali passavam. Estava perto da pracinha de brinquedos, algumas crianças estavam por ali se divertindo. Sorri. Eu simplesmente amava crianças. Dois meninos loiros que pareciam ser irmãos (um de 3 e outro de 5, supus) andavam juntos. O mais velho segurando a mãozinha do menor que se atrapalhava nos passos. Eu queria morder eles. Levar para casa. Roubá-los. Surtando internamente, percebi que o irmãozinho mais novo me olhou e sorriu.
Um homem se aproximou dos dois, o mais velho indo ao seu encontro, e se abaixou para falar com o mais novo. Vi que ele me olhava enquanto conversava com o menino.
- Dê tchau à ela – ouvi ele dizer.
O menino, instantaneamente levantou a mãozinha balançando-a de um lado para o outro. Abanei toscamente para ele e sorri, cumprimentando o homem que o segurou no colo para ir embora. Ele colocou as crianças nas cadeirinhas do banco de trás do carro e fechou a porta, entrou no banco da frente e deu a partida. Observe-os até o carro sumir de vista. Então decidi ir para casa também.
Acordei cedo. O despertador não havia tocado. Minha mãe ainda não estava acordada então silenciosamente coloquei minha roupa e saí para andar. Chegando na praça, encontrei a equipe de tênis se preparando para começar a jogar. Mais a frente, passei por um carro onde um homem colocava duas crianças no banco de trás... A mesma cena do dia anterior. Pisquei algumas vezes. Aquele homem. Engoli em seco. As duas crianças me viram passar.
- Oi – cantarolei sussurrando para elas
O homem ouviu que eu estava ali, bateu a cabeça no teto do carro e finalmente se virou para me olhar.
- Bom dia – disse, massageando o lugar da batida
Segurando uma risada, apenas sorri. Ele, sem jeito, fez o mesmo. Hipnotizada, tentei seguir em frente. Foi quase impossível. Eu queria voltar. Entrar naquele carro. Abraçar aquelas crianças. Saber mais sobre eles. Mas apenas segui em frente.
Depois de algumas várias voltas, ele estava de volta. Sem as crianças. Vestia um uniforme branco. Fazia parte do time de tênis. Eu precisava ir lá para vê-lo, mas o choque de realidade foi mais forte, me fazendo voltar pra casa.
- Vai correr depois do almoço?
Coloquei os pratos na pia depois de comer. Eu sabia o que ela estava pronta para dizer, mas apenas neguei.
- Vou de bicicleta.
- Tome cuidado.
- Eu vou ficar bem, mãe. Tchau.
Levei minha bicicleta até o pátio, montei nela e pedalei até a praça. De tarde já havia mais movimento de pessoas. Coloquei minha música para tocar e fiquei viajando em pensamentos enquanto minhas pernas mexiam sem parar. Quanto mais as horas se passavam, mais pessoas iam chegando àquele lugar. Então, do nada, uma criança apareceu correndo na minha frente. Aquele menino. Loirinho, magro, uns 5 anos de idade... Freei bruscamente jogando minha bicicleta para o lado, caindo deitada na areia da calçada. Gemendo de dor e ao mesmo tempo preocupada com o estado do menino, não percebi quando alguém correu ao meu encontro.
- Você está bem?
Levantei meus olhos para a pessoa e foquei um homem. Alto, moreno, olhos castanhos, vestia um uniforme do clube de tênis e estendia uma mão para mim. Peguei-a e ele me ajudou a levantar, depois juntou minha bicicleta.
- Estou. Eu acho. Só espero não ter quebrado o pulso...
Olhei em volta. O garotinho estava mais atrás com o irmão. Suspirei aliviada ao ver que ele estava ileso.
- Desculpe por isso. Mesmo. Jack é meio sapeca. E você salvou a vida dele. Tem alguma coisa que eu possa fazer em troca? Um café ou... Uma atadura?
Jack. Olhei para as duas crianças novamente e de volta para o homem. Eu queria fazer uma pergunta, mas ela ficou presa na garganta. Me perdi naqueles olhos. Rimos juntos. O sorriso que ele me deu. Sua mão na minha. Comecei a suar frio. Que resposta eu daria? Ele soltou uma risadinha.
- Desculpe a pressão, isso foi... Bom, acredito que vamos nos ver amanhã, certo? Você terá tempo para pensar na resposta.
Abaixei a cabeça, fitando um arranhão no meu braço. Meu pulso latejava. Franzi o cenho e tornei a olhar para aquele homem na minha frente. Quantos anos eu daria para ele? Talvez 30? Espera. O que ele disse? Nos ver amanhã? Meu cérebro já não funcionava como antes.
- É, acho que sim. – e sorri, não conseguindo falar mais nada
As palavras começaram a fugir. Eu queria dizer mais alguma coisa, deixá-lo com alguma esperança de que eu retornaria amanhã. Amanhã era sábado. O que eu diria para a minha mãe? Perguntas voavam pela minha cabeça. E nenhuma delas tinha resposta.
- Ah, meu nome é Lucas. – e estendeu a mão novamente
- Carolina. – respondi sem pensar duas vezes pegando sua mão
- Foi um prazer te conhecer.
Por um momento, ficamos com as mãos unidas no aperto. Olhei para elas e retirei a minha, lentamente.
- E obrigada mais uma vez – completou e depois se dirigindo aos meninos – Vamos?
Os dois correram na direção dele e foram juntos andando para longe. O que havia acabado de acontecer? Voltando pra casa, comecei a relembrar o episódio daquela tarde louca. Eu quase havia atropelado uma criança. Depois um homem (cujo não faço a menor ideia de quem seja, mas continuava vendo com freqüência) se aproxima sendo super educado, oferecendo-se a me pagar um café. Eu precisava pensar.
Mal consegui dormir. O nervosismo me pegara de jeito. Tinha um homem esperando por mim. Meu olhei no espelho e vi a pior imagem das últimas semanas. Olheiras escuras pairavam debaixo dos meus olhos. Sem condições de ir caminhar de manhã, decidi ir à tarde. Talvez isso o deixasse mais ansioso e me desse mais tempo para convencer minha mãe. Tomei banho depois do café e comecei a tapar aquelas manchas oculares com um corretivo. Rendida à maquiagem, deixei minha pele perfeita em menos de meia hora sem parecer exagerado. Desta vez, coloquei uma regata, um short de corrida e um tênis. Minhas mãos tremiam.
Andei até a cozinha tentando transparecer indiferença. Minha mãe colocava o macarrão na panela e misturava o molho à bolonhesa. Coloquei os pratos na mesa e fiz uma limonada em silêncio. Quando nos sentamos para comer, ela me olhou.
- Vai sair hoje?
Com a boca cheia de comida, apenas assenti.
- Tudo bem, mas volte cedo. Vamos olhar um filme de noite.
Com um gole de suco, assenti novamente raspando o prato com o garfo. Conferi no relógio, prendi meu cabelo e peguei minha bicicleta. Não estava nada confiante. Com medo de dar tudo errado, passar vergonha. Calma. Eu tinha 20 anos. Já havia passado por coisa pior. Era só tomar um café. Respire Carolina.
Chegando à praça, tentei não parecer desesperada à procura dele. Comecei a primeira volta quando alguém começou a correr ao meu lado. Ao virar a cabeça para conferir não me surpreendi quando percebi que era ele. Lucas. Parei e desci da bicicleta. Notei que ele não estava vestindo o uniforme, mas sim uma camiseta e uma calça da Adidas. Não pude negar que estava lindo.
- Oi – ele disse.
Sorri para ele.
- E então?
Olhei-o já sabendo que aquela pergunta viria. Não havia mais como fugir.
- Vamos ver se você consegue me convencer.
Ele levantou as sobrancelhas, surpreso.
- Venha, vamos largar sua bicicleta lá em casa.
Travei por alguns segundos. Lá em casa. Aquelas palavras... Me arrepiei até a nuca. Tente não tremer, não mostre que está nervosa Carolina. Não entregue o jogo. O segui em silêncio, levando a bicicleta colada ao meu corpo. Ele andava ao meu lado, me lançando olhares de vez em quando.
Dobrando uma rua para a direita, tirou uma chave do bolso. Logo entramos no pátio de uma casa de um andar e a garagem começou a abrir. O carro dele estava lá dentro. Ele pediu permissão para pegar minha bicicleta e colocou-a lá escorada na parece.
- Fique a vontade. – pediu enquanto passava pela porta que dava para dentro da casa
Fui atrás dele observando os cômodos. Era tudo enorme, bem arrumado, um cheiro de incenso invadia o lugar. Brinquedos estavam espalhados pela sala.
- Desculpe pela bagunça – murmurou ele quando cheguei na cozinha onde ele estava
Coloquei os cotovelos no balcão americano e olhei ele tirar a carteira e o celular do bolso da calça. Vi que seus olhos foram parar nos meus braços.
- Como está seu pulso? Você parece não ter cuidado muito dele. – disse se aproximando para tocar no inchaço
Gemi e fiz uma careta. Ele abriu uma porta do armário acima de nossas cabeças e tirou uma pequena caixa com algumas ataduras e remédios. Depois de procurar um pouco, pegou um tubo e tirou a tampa.
- Isso aqui vai melhorar. – ele disse colocando um pouco nos dedos e espalhando a pomada gelada pelo meu pulso e depois enrolando uma faixa – É o mínimo que posso fazer por você.
- Obrigada.
Me afastei discretamente, ajudando-o a guardar a caixa novamente. Depois disso vi que ele pegou a cafeteira, abriu a tampa e começou a colocar colheres de café. O café seria na casa dele? Onde eu tinha vindo parar... Aquilo não acabaria bem. Eu confiava nele? Conferi se meu celular ainda estava comigo e apertei-o com força. Eu já era grande o suficiente para saber lidar com esses problemas. Então, eu o enfrentaria se fosse preciso.
Quando ele ligou a máquina, se virou para mim.
- Não sabia que morava aqui no bairro – falei
Ele assentiu.
- Digo o mesmo de você. Eu jogo tênis há um ano aqui e nunca a vi.
- Comecei a correr ha pouco tempo. – e então uma luz acendeu no meu cérebro – Você é o cara da bola de tênis!
Ele riu.
- Desculpe por aquilo. Por pouco não atingi você. Parece que todos os nossos encontros foram meio atrapalhados.
“Isso aqui é um encontro?” eu queria perguntar, mas fiquei quieta.
- Ah, você quer comer alguma coisa? Ainda não estou acostumado com visitas. – disse abrindo a geladeira e depois fechando – Vamos ver...
Sorri com o jeito brincalhão dele. Talvez ele devesse ter 27 anos. Seria feio perguntar? Deixaria a conversa rolar. Quem sabe aquele assunto surgisse de repente. E eu não precisava mesmo saber, certo? Ele tirou uma vasilha com bolachas de água e sal e abriu a tampa.
- Vamos adquirir a dieta saudável. – mordeu a bolacha fingindo saboreá-la
Fiz o mesmo até que ele tirou o café e serviu em duas xícaras de porcelana decoradas com lindos e delicados desenhos.
- Você toma com açúcar, né? Assim vou me sentir menos constrangido por tomar também. – disse trazendo um açucareiro de prata
Rindo, adicionei algumas colheres na minha bebida quente, misturei e tomei um gole. Fechei os olhos curtindo aquele sabor maravilhoso descer pela minha garganta.
- Você faz café melhor que minha mãe.
- Devo entender isso como um elogio? – ele me olhou desconfiado
- Eu amo o café dela. – respondi mordendo o lábio e tomando mais um pouco
Ele mordiscou mais uma bolacha e me olhou.
- Seus olhos são lindos. São azuis?
Pisquei algumas vezes, nervosa por ter aqueles olhos tão penetrantes nos meus.
- Minha mãe diz que é verde água. Eu prefiro dizer que depende do dia.
Ele sorriu admirado tomando o resto do café na sua xícara.
- Você aceita mais um pouco? Não se preocupe se vai sobrar ou não. Posso fazer mais...
- Não, eu agradeço. – interrompi-o – Estou satisfeita. Aliás, você foi muito gentil. Obrigada. – murmurei percebendo seu rosto um pouco perto do meu – Eu devo voltar para casa. – falei me afastando
Ele me olhou por mais alguns segundos e foi até a pia colocar a louça para lavar mais tarde. Eu fiz o mesmo.
- Certo. Você precisa de carona?
- Não. – disse rapidamente – Eu vim de bicicleta – lembrei. – Não se preocupe.
Me acompanhando em silêncio até a porta, ele disse uma última frase.
- Até amanhã.
Ainda sem muito que pensar sobre meu final de semana, escovei meus cabelos lentamente na frente do espelho. Segunda-feira, não importa o que eu fizesse, sempre seria o pior dia da semana. Saí emburrada de casa para andar. E como eu imaginei, encontrei Lucas jogando tênis. Não sabia se queria ver ele ou não. Eu estava mantendo uma relação confusa com ele. Mantendo? Relação? Chega disso Carolina. Esqueça. Segui andando. Sem desviar o olhar. Apenas focando nos meus pés, no meu batimento cardíaco que se acelerou ao ouvir uma voz.
- Carolina! – ele me chamou
Virei para trás, coloquei as mãos acima dos olhos tapando o sol e vi ele correndo ao meu encontro.
- Oi, Lucas. – resmunguei
- Ei, parece que alguém não está muito bem. O que aconteceu?
Balancei a cabeça ao perceber como tinha sido idiota.
- Meu Deus, me perdoe. Segunda-feira não é meu dia favorito.
Ele riu.
- Entendo, tudo bem. – ele fez uma pausa – Ei. Daqui a pouco meu treino acaba. Quer ir lá pra casa depois?
Sorri torto e vi ele correr de volta à quadra. Andei devagar atrás dele e sentei no banco para assistir a última partida. Ele colocou seu boné branco combinando com a camisa pólo e bermuda da mesma cor, pegou sua raquete e entrou para jogar. Não entendendo nada do jogo, apenas fiquei observando como ele se comportava. Focado, concentrado, ágil e esperto. Não conseguia dizer se ele era o melhor de todos, mas com certeza ele devia ser um dos destaques da equipe.
Quando o jogo acabou ele veio até mim, ofegante, cansado, mas sorrindo pela vitória.
- Parabéns! – falei batendo no seu ombro
- Você não tem a menor ideia do que eu fiz lá, né?
- Não, – ri com uma careta – mas o que importa é que você ganhou, certo? – incentivei-o
- É. Acho que sim. – ele disse bufando de cansaço – Venha. Preciso tomar um banho e trocar essa roupa. – falou colocando a raquete na mochila e jogando-a para trás do ombro
Seguimos o mesmo caminho até a casa dele e entramos pela porta da frente. Ele entrou por um corredor e sumiu. Aproveitei para procurar desvendar algumas coisas e descobrir mais sobre ele. Mas estava sendo difícil. Ele não tinha nada ao alcance. Ou queria esconder muito bem ou não tinha nada a ser escondido. Antes que eu começasse uma nova investigação, Lucas apareceu na sala com apenas uma toalha presa na cintura.
- Você gosta de salada de frutas? Tem um pote na geladeira.
Mas eu não consegui prestar atenção em mais nada. Aquele abdome nu na minha frente me impedia de desviar o olhar. Eu queria ao menos... Pisquei algumas vezes e olhei para baixo. Certo. Salada de frutas. Geladeira. Cozinha. Onde ficava mesmo? Cambaleando pela casa à procura do pote de ouro, tentei não transparecer que estava ficando louca com aquele homem ali. Debaixo do mesmo teto que eu, no mesmo cômodo. Abri a geladeira e peguei o pote de vidro com tampa amarela. Então, comecei a abrir as gavetas à procura de uma colher. Foi quando ele voltou, propriamente vestido com uma calça de moletom e camiseta.
- Onde posso encontrar uma colher?
Ele sorriu e me ajudou a pegar as coisas para começarmos a comer. Estava deliciosa.
- Você que fez?
- Sim. Achei uma dica na internet e quis experimentar.
Fiquei esperando ele me contar.
- Coloquei Guaraná.
Arregalei os olhos surpresa com a ideia e comi mais uma colherada.
- Está ótimo.
- Obrigada. A verdade é que eu precisava de uma cobaia, foi por isso que convidei você. – disse brincando e depois riu da minha reação
“Pois pode me chamar sempre que quiser. Vou adorar vir aqui provar das suas receitas.” eu quis responder. Por um momento pareceu que ele pôde ler meus pensamentos, porque logo estávamos tão perto um do outro que foi inevitável. Nossas bocas se encontraram. Eu não queria ceder. Mas ele era tão bom. Aproveitei um pouco seus lábios tocando os meus e depois me afastei deixando o silêncio tomar conta. Ele olhou para o relógio.
- Está na hora de buscar as crianças. Se você não se incomoda, vou dar uma saída rápida. – disse se levantando e indo até a garagem – Volto em dez minutos! - gritou
Ouvi ele ligar o motor e sair. Buscar as crianças. Muitas coisas se passavam pela minha cabeça. Eu não queria pensar nelas. Aquele beijo ainda me trazia arrepios. Queria ir embora. Desaparecer. Sumir dali. Algo me dizia que aquilo estava errado. Então, em dez minutos ele estava de volta. O primeiro a aparecer foi Jack. Ele me olhou e eu abri os braços para abraçá-lo.
- Oi, garotão. Como vai? – murmurei olhando para seus olhinhos azuis
Lucas entrou com o menor no colo. Parou na minha frente e eu sorri para ele.
- Lembra da Carol? – perguntou para o menino – Dá oi pra ela. – pediu
Carol. Sorri com o apelido. O menino balançou os dedinhos para mim, me fazendo grunhir de amores. Lucas o largou no chão e ele foi se juntar ao irmão para brincar. Então voltamos à cozinha.
- Eles não são de falar muito né?
- Kevin é o mais tímido, mas ele parece gostar de você. Jack é mais aberto com as pessoas. Acho que isso ele puxou a mim...
Congelei.
- O que? – eu não queria admitir que tinha mesmo ouvido aquilo – Você... Você é pai deles? – olhei para ele com desgosto, repugnância.
- Achei que você já soubesse. Quero dizer... É óbvio, não? Se eu tivesse adivinhado, teria dito antes. – ele começou a explicar enquanto eu recuava alguns passos – Espere. Não fique brava comigo, okay?
- Você não entende...
Ele segurou meu braço.
- Me explique. – implorou – Por favor, me deixe tentar.
- Não dá. – eu já estava na sala – Está ficando tarde. Eu preciso ir. – e corri até a porta abrindo-a com força, saindo logo dali.
Quando vi já estava chorando. Fiquei na praça por algum tempo, escondida. Não podia voltar para casa enquanto estivesse naquele estado. Como eu fui burra de não ter pensado naquilo antes. Afinal, era mesmo óbvio. Ele estava sempre com aquelas crianças. E se ele fosse casado? Me beijando, me iludindo, me levando para a casa dele. Tantas coisas que eu poderia ter evitado. E ele sabia de tudo isso e mesmo assim quis se envolver comigo. E logo agora que eu estava começando a me apegar. Um cara tão legal, bonito... Chutei uma pedra para longe e resmunguei alguns palavrões. Eu definitivamente odiava segundas-feiras.
Depois de algum tempo se passar, eu já estava menos agressiva. Lucas apareceu.
- Hey – e foi sentando ao meu lado.
Continuei em silêncio, fitando meu tênis. Ele suspirou alto.
- Tem algo que eu possa fazer para me reconciliar com você? Você parece ter algumas dúvidas ainda. Me pergunte o que quiser. Prometo que vou respondê-las honestamente.
Algumas vieram rapidamente à minha cabeça. Mas eu já não estava mais tão irritada a ponto de dizê-las.
- Você é casado? – perguntei automaticamente
- Não. Não mais. – esperei ele continuar – Nos separamos logo depois do nascimento do Kevin. Ela quase não vê eles. Fico com eles na maior parte do tempo.
- Quantos anos você tem?
- 25. – ele demorou a responder
- Está mentindo.
- Porque eu mentiria a minha idade? E eu disse que seria honesto. Você não acredita em mim? – explodiu e fez uma pausa percebendo o surto – Desculpe.
- Você não parece ter 25. – admiti
- Obrigada. – ele disse mais em tom de pergunta
Ficamos um tempo sem falar. Ele se arrumou e sentou virando-se para mim com o banco entre as pernas.
- Ei – me chamou e eu o olhei – vai ficar de cara comigo pra sempre? – e colocando meu cabelo atrás da orelha, se inclinou para me beijar.
Com calma. Explorando cada canto da minha boca. Passando suas mãos pelas minhas costas. Enrolando seus dedos no meu cabelo. Descendo as mãos pela minha cintura até minha coxa. Quando o beijo foi acabando ele levantou os dedos para acariciar minhas bochechas.
- Não me olhe desse jeito. Esses olhos azuis... O que houve?
- Não posso ficar com você.
Ele largou as mãos no colo e me olhou incrédulo.
- Porque não?
- Você já tem uma família. É uma realidade longe da minha. Não vou simplesmente chegar lá e bagunçar a vida de vocês.
- São as crianças né? Você não gosta delas? Olhe, posso conversar com a mãe deles para...
- Não! Claro que não. Eu amo crianças. E esses dois são as coisas mais lindas que eu já vi. Mas eu... Eu não sei. Parece tão... Eu tenho medo. – balbuciei
- Shhh – ele pediu secando algumas lágrimas que caíram rolando pelo meu rosto. – Podemos passar por isso juntos. As crianças adoram você. Não vai ser nenhum problema para nós. A casa não é tão grande, mas tenho certeza de que cabe mais alguém lá. E é você que deve preencher esse espaço.
Sorri toscamente em meio às lágrimas. Porque ele tinha que ser tão fofo? Ele se levantou e estendeu a mão para mim. Ainda fungando, eu levantei e ele me puxou para um abraço, depois me deu um selinho.
- Viu? Nada como uma conversa para resolver problemas. No final vai gostar. Você vai ver.
E me puxou para voltarmos para casa.
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