Conto: Baile de máscaras
19:49
O compromisso estava marcado. Perto da meia noite, eu sairia com as garotas para a tradicional festa das máscaras que a cidade fazia todo o ano. Sem perder o costume do vestido curto, fiquei pronta para Luise me buscar. Como o combinado, nos encontramos todas na porta do salão e entramos juntas com as máscaras já no rosto.
Olhando ao redor, havia poucas pessoas conhecidas. A cidade era grande, tudo bem, mas eu normalmente costumava saber quem era novo ali. Nos separamos e eu fui em busca de bebida. Estava com sede, mas ao mesmo tempo queria me divertir. Era final de semana, eu acabara de receber meu primeiro salário e nada melhor do que uma festa e muitos garotos para curtir. E havia um deles me olhando desde que eu entrara.
Seus olhos verdes faiscavam para mim. Eu precisava saber quem era. Tomei um gole da minha vodka e andei em sua direção. Sabia o jeito certo de encantar os garotos. Era mudar o jeito de andar, de olhar, de falar e eles acabavam se entregando fácil. Segurei minha máscara com firmeza e sorri.
- Gostei da máscara. – gritei, no meio do som alto.
Ele ajeitou a máscara no rosto fino e assentiu com a cabeça.
- Obrigada.
Virei o copo na boca e fui até o balcão pegar outro. O garoto me acompanhou com os olhos e ficou surpreso quando eu voltei a ficar ao seu lado. Ofereci a bebida e ele negou. No embalo da música, fiquei dançando e bebendo ao seu lado, esperando alguma reação que não veio como eu queria.
- Você sempre bebe desse jeito?
Com a testa franzida, olhei-o através da máscara.
- Não. – fiz uma pausa longa, ignorando-o. – Você é sempre quieto desse jeito?
- Sim...
Eu não lembrava de mais nada. Eu não estava em casa. E também estava com a mesma roupa da festa que... A festa. Me levantei rápido demais e uma dor forte veio na minha cabeça. Na minha frente, encontrei ele. O garoto da máscara. Ele estava de costas. Ainda não vira seu rosto, ao menos não lembrava de ter visto.
- Foi uma noite longa...
Ouvir a sua voz limpa sem gritos nem música atrapalhando era incrível. Ele largou sua máscara sob a escrivaninha, se virou e finalmente consegui vê-lo. Era realmente bonito. Cabelos loiros, lábios carnudos, olhar marcante. Andou até mim, ajoelhou-se ao pé da cama e estendeu a mão para tocar minha testa.
- Você deve estar melhor. Poderá voltar pra casa hoje mesmo.
- Onde você me trouxe?! – resmunguei olhando ao redor.
Ele viu o meu desespero e baixou o tom de voz para me acalmar.
- Desculpe a minha indelicadeza. Ontem na festa você, hum, passou meio mal... E como você estava sozinha, resolvi ajuda-la. Então a trouxe para o meu apartamento...
Encostei a minha cabeça pesada na cabeceira da cama e fechei os olhos tentando lembrar de uma coisa que mais me preocupava. Ele me olhava tentando entender o que se passava na minha cabeça, mas eu simplesmente ignorei tudo ao meu redor. Precisava perguntar.
- Eu o beijei?
- O que?
- Nós nos beijamos? Eu, você...
Ele levantou as sobrancelhas.
- Eu cuidei de você, não a trouxe aqui para...
Revirei os olhos. Procurei minha máscara, mas não encontrei em lugar algum. Já me sentia um pouco melhor então me levantei e andei até a porta. Sem dizer nem um obrigado, muito menos perguntar seu nome, fui embora antes que me prendesse à ele. Ele me ajudara, ótimo. Agora eu precisava continuar minha vida.
Minhas noites nos últimos 10 anos fora resumida em festas, garotos e bebida. Eu não fazia outra coisa. Estava me tornando uma pessoa imprestável e ninguém mais me respeitava a não ser minha mãe que raramente me mandava uma mensagem dizendo que me amava. A partir dali, eu teria que mudar algumas coisas.
Comprei um pequeno apartamento na parte menos movimentada da cidade onde eu poderia tocar meu violão e compor algumas músicas no silêncio e passei a usar as minhas noites para dormir. Eu era outra garota. Não parecia que eu estava no auge dos meus 28 anos. Eu deveria apagar as memórias do meu passado e recomeçar tudo do zero.
Aos poucos, comecei a ser convidada para tocar em bares, programas, feiras... A minha popularidade logo havia chegado nos jornais da cidade e todos queriam me ouvir tocar. Entrevistas eram marcada com frequência... Eu não queria ser famosa. Queria apenas ser normal tocando minha música, será que ninguém entendia isso?
Aceitei tocar num evento na praça do centro da cidade. Todos compareceriam. Televisão, rádio, jornais importantes... Peguei meu violão e comecei a tocar. Sem medo, fui até o final e recebi vários aplausos. Ao me retirar, pelo meio da multidão, alguém puxou meu braço delicadamente e eu procurei pela pessoa.
- Desculpe, mas você esqueceu isso na minha casa há um tempo atrás... – e sua voz foi sumindo aos poucos quando eu me virei para ver seu rosto, já que a voz eu conhecia.
Segurei a máscara que estava em sua mão, sorri e disse o que precisava ser dito desde o início daquela história.
- Obrigada. Por tudo.
E em resposta ele, com as duas mãos sobre minhas bochechas rosadas, me beijou. Eu não estava me preocupando se lembraria daquilo depois. Ambos sabiam que era real e nenhum dos dois precisaria se esconder atrás das máscaras outra vez.
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