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Conto: Porta aberta
10:22Tudo estava pronto no balcão da cozinha, quando de repente percebi que faltava um ingrediente.
- Merda, esqueci do fermento... - murmurei revirando os olhos pro meu gato que me olhava de cima da janela, curioso.
Ele abriu a boca como se fosse miar, mas som nenhum saiu. O típico miado do Nicolas. Ri e concordei com ele.
- Eu sei, eu sei, eu devia ter feito a lista do mercado. Não precisa jogar na minha cara e falar "eu te avisei" - falei andando até o meu quarto e ele me seguiu. - Bom, parece que vou ter que voltar lá - peguei a chave e minha bolsa e fiz um cafuné na cabeça dele. - Vou começar a te ouvir mais, prometo - e saí às pressas.
Na volta, ao abrir a porta, não encontrei Nicolas. Andei por toda a casa e nada. Comecei a chamar, desesperada pensando no pior quando ouvi minha campainha tocar. Com o susto, corri pra porta. Puxei rapidamente e dei de cara com uma moça. Cabelos castanhos, longos e encaracolados caindo até o meio de suas costas. Seus olhos eram um tom de verde oliva, escuro mas brilhante. Um sorriso meio preocupado me chamou a atenção. Não consegui falar nada.
- Oi - ela começou. - Desculpe incomodar... É que eu fui tirar o lixo e vi sua porta e... - ela viu minha cara de quem não estava entendendo nada e se explicou. - Eu moro no apartamento aqui na sua frente. Meu nome é Monica. Bom... Sua porta estava aberta...
- O que?
Na hora minha cabeça voltou ao Nicolas e meu coração parou. Se ele saiu provavelmente eu nunca vou ver ele de novo. Meus olhos começaram a encher d'água com a ideia.
-... e ele está comigo. Desculpe invadir assim, mas pensei que seria o melhor a fazer...
- Espera - interrompi. - O que você fez?
- Eu insisto em pedir desculpas. Você pode pegar ele agora e podemos fingir que nada aconteceu...
- Não, eu... - Fechei meus olhos e balancei a cabeça, confusa. - Você salvou o meu gato?
Ela riu e deu de ombros.
- Se você prefere ver dessa forma, digamos que sim - ela inclinou a cabeça pensando na ideia e sorriu pra mim.
Soltei todo o ar que estava prendendo em um suspiro e deixei os ombros caírem.
- Não faço ideia do que você deve ter passado nesses minutos achando que tinha perdido seu gato... Qual o nome dele?
- Nicolas - demorei pra responder, ainda me recuperando do choque.
- Bom, er... Você quer aproveitar pra entrar? Eu estava passando café - ela disse apontando o polegar pra trás, pra porta número 20.
- Eu posso ficar um tempo se você aceitar passar aqui pra comer o bolo que eu ia fazer - e dei uma risada.
- Justo - ela riu junto virando as costas pra abrir a porta da casa dela enquanto eu fechava a minha de novo.
Ao entrar na casa comecei a observar tudo até que dois gatos correram em nossa direção. Um deles era caramelo, uma pelagem bonita, parecia que tinha pego sol, bronzeada. O outro era Nicolas.
- Oi, meu amor - recebi ele pegando no colo num abraço, enchendo de beijos. - A mana quase fez merda de novo, né?
Vi Antônio observando junto com Monica.
- Pelo que vi você já fez um amiguinho... - soltei ele e me abaixei pra dar a mão ao outro gatinho.
Ele me cheirou e depois abaixou a cabeça para que eu pudesse fazer um cafuné. Olhei pra cima ao encontro do olhar de Monica e sorri.
- Que fofura - miei.
- O Nicolas é uma graça também. Super comportado, educado - ela sorriu passando a mão nele.
Me levantei, bati minhas mãos uma na outra tirando o excesso de pelos e olhei pra ela.
- Bom. Você vai ter que me contar toda a história de novo, porque eu não entendi nada do que aconteceu, vou ser sincera - rimos juntas.
- Tudo bem. Deixa eu pegar as canecas aqui pra servir o café, - e ela foi para a cozinha - mas fique a vontade! - gritou de longe.
- O cheiro está ótimo. E você tem uma linda casa, aliás! - falei andando pela sala e indo até a janela pra admirar a vista.
Fiquei um tempo ali até que ela veio por trás de mim e estendeu a caneca. Agradeci e tomei um gole.
- Nossa, que delícia.
Ela abaixou a cabeça com um sorriso tímido e ficamos em silêncio por alguns minutos tomando café.
- Eu fui tirar o lixo - ela começou finalmente depois de pigarrear - e sua porta estava entreaberta.
Dei um tapa na testa, fechando os olhos.
- Maldita porta. Claro, na pressa de sair pra ir no mercado, esqueci de trancar, e essa porta tem o defeito de não fechar. Qualquer vento abre!
Ela comprimiu os lábios numa cara chateada.
- Então me aproximei e bati pra ver se tinha alguém a fim de avisar que a porta estava aberta e só vi um gatinho no chão me olhando curioso. Chamei algumas vezes e ninguém respondeu. Preocupada, entrei urgentemente e fechei a porta olhando ao redor e logo encontrei a chave extra atrás da porta. Então tive a ideia de pegá-lo, pra não deixar sozinho, e trancar. Talvez tenha sido demais, mas eu ia gostar se fizessem a mesma coisa comigo.
Assenti milhares de vezes.
- Você está absolutamente certa. Não sabe quem mora ali, não sabe o que aconteceu. Queria deixar o Nicolas seguro e com companhia, claro. Tem toda a razão. Eu... Eu nunca faço isso. Não sei como tudo aconteceu tão rápido e... - hesitei em falar - a sorte de você estar ali.
- Imagina, foi tudo por um motivo maior... Se não, não estaríamos aqui - ela levantou a caneca e sorriu pra mim.
Por um momento parei pra olhar pra ela. Como estava à vontade, era autêntica, genuína, sincera, destemida. Pra não falar mais nada e ter mais tempo pra pensar, tomei um gole longo e demorado até esvaziar a caneca. Nicolas pulou no meu colo e se aninhou.
- Agora eu não vou embora tão cedo - ri.
Ela levantou.
- Mais café?
E assim foi a tarde toda. Tomando café, conversando, acariciando gatos, rindo,... E flertando. Quando já estava ficando tarde, ela me acompanhou até a porta e me devolveu a chave extra.
- Ah, meu Deus, não sei como você não me perguntou meu nome todo esse tempo! Sou Alissa.
- Foi um prazer conhecê-la, Ali. Posso chamar assim, né?
Fui pega de surpresa com a rapidez que a intimidade entre nós duas havia chegado.
- Claro, com certeza - eu não queria ir embora, mesmo que minha casa ficasse do outro lado do corredor. - Eu não esqueci do bolo, viu? Uma hora dessas você pode bater aqui de novo. De preferência quando eu estiver em casa - e ambas rimos.
- Você pode ter certeza que eu irei.
- Então, até logo - me abaixei pra pegar Nicolas e quando levantei de volta, nossos rostos estavam tão perto que foi impossível evitar.
Ela me beijou. Quando o beijo acabou, sorrimos e ela foi até a porta, abrindo-a.
- Até logo.
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