Conto: Perguntas

E depois de um semana cheia de provas, finalmente eu e meus pais conseguimos um tempo para almoçar juntos. Não era normal sairmos, rindo e...



E depois de um semana cheia de provas, finalmente eu e meus pais conseguimos um tempo para almoçar juntos. Não era normal sairmos, rindo e cantarolando. Meu pai sempre fora um velho grosso e mal humorado e minha mãe uma senhora ocupada em varrer a casa e xingar meus irmãos que ficavam jogando videogame.

Pedi à minha mãe escolher uma roupa bonita para eu vestir e quando fiquei pronta, coloquei meu óculos escuro. Procurei pela maçaneta da porta do carro e me sentei ao lado dos meus irmãos que me esperavam pacientes. Eu não sabia se o dia estava lindo ou nublado nem se meu cabelo estava como eu queria porque eu era cega.

Aquela era uma das minhas fraquezas. Não sabia que cor era o meu esmalte, quão bonito era o sol, como eram as minhas amigas muito menos minha mãe. Eu simplesmente nascera cega e vivi 17 anos sem ver absolutamente nada.

O almoço fora divertido. A comida estava excelente. Muitas conversas e piadas, algumas novidades e muitas risadas. Nunca houve tanta união como naquele dia. Segurei firme a mão da minha mãe e a acompanhei pelos corredores do shopping que decidimos visitar depois. Pedi pra ela me narrar tudo o que estava acontecendo.

- Tudo bem, ahm... Estamos perto do Mc Donald’s...

Respirei fundo e soltei uma risada.

- Mãe, eu sei. Posso não conseguir enxergar, mas ainda sinto o cheiro das coisas.

Ela bufou e continuou.

- Tem uma loja linda de roupas ali. Quer entrar?

- Não.

- Okay. Vamos sentar ali na praça de alimentação ou você quer andar mais?

- Vamos sentar.

Nos sentamos e eu descansei meu braço sobre a mesa. Como era ruim não poder enxergar. Ver as pessoas andando, poder saber qual é a moda atual, acompanhar os meninos lançando leves olhares de aprovação...

- O que está acontecendo agora?

- Bem, tem um garoto olhando pra você.

- Mentira.

- É sério.

- Como ele é?

- Moreno, alto, meio sarado, olhos castanhos e está com um sorriso enorme no rosto. – fez uma pausa - Parece que você ganhou um admirador... – cantarolou.

Escondi o rosto nas palmas das mãos e sorri. Como eu desejava profundamente poder ver naquela hora. Como devia ser o garoto realmente? Será que ele era exatamente como minha mãe havia o descrito? Levantei a cabeça e soltei o ar que eu prendia há um tempo.

- E aí, o que vai fazer? – perguntou ela.

- Acho que esperar ele vir aqui e perguntar meu número não é possível então acho que vou ficar aqui sentada sendo observada por um bom tempo.

- Isso não irá acontecer se eu fizer uma coisa...

E de repente ela se levantou e saiu. E eu nem podia ir atrás dela porque poderia me perder. Parei na cadeira e fiquei ouvindo tudo ao me redor, atenta aos movimentos. O que eu ouvia eram apenas batidas de talheres de prata nos pratos de porcelana e muitas pessoas conversando em voz alta. Segurei minha bolsa mais firme e suspirei quando ela voltou a se sentar ao meu lado.

- O que foi fazer?

- Pedir uma porção de batatas fritas com queijo.

- E porque isso mudaria alguma coisa?

- Você faz muitas perguntas. É que ele é o garçom daquele restaurante.

Engoli em seco, assenti e fiquei em silêncio. Em poucos minutos de espera, alguém chegou à nossa mesa e colocou o prato com as cheirosas batatas. Devia ser o garoto que minha mãe havia falado. Ele tinha a voz grave e suave e um perfume delicioso. Pude sentir ele encostar sua perna na minha cadeira. Estava perto o suficiente de mim para perceber que eu era cega. Logo assim, desistiria.

Quando ele foi embora, minha mãe murmurou um ‘uau’.

- Que foi?

- Tinha que ter visto a olhada que ele deu em você.

A brincadeira fora de péssimo gosto, mas mesmo assim dei uma risada.

- E o que quer que eu faça?

- Quer que eu pegue o número dele?

- Não!

- Ao menos o nome então...

Não respondi. Ela, bruscamente, se levantou e foi atrás dele. O que ela devia ter na cabeça? E se ele fosse um daqueles garotos que só adicionava o nome das garotas que ele beijava num caderninho escondido embaixo da cama? E se ele só estava interessado em ficar olhando e rindo de mim por eu não poder enxerga-lo? Balancei a cabeça e me levantei.

- Aonde está indo? – perguntou minha mãe quando voltou.

- Vamos embora.

Ela segurou meu braço e me guiou pelo meio das cadeiras sem falar nada. A medida que fomos nos afastando e eu senti que estávamos longe o suficiente para voltar a falar, minha mãe interrompeu meus pensamentos.

- Não quer saber o nome dele?

Novamente, fechei os olhos e a respondi com o meu silêncio.

- Daniel.

Acordei cedo quando meu celular tocou. Minhas amigas me esperavam para irmos ao shopping comprar nossas roupas para a festa de formatura de um dos meus irmãos. Elas me ajudariam a escolher o melhor vestido. Entrei no carro e cumprimentei-as.

- Tudo bem. Qual loja você quer ver primeiro? – perguntou Helen quando chegamos.

- Minha mãe disse que há uma loja com roupas lindas perto da praça de alimentação. Não sei se vendem vestidos, mas podemos procurar lá. – sugeri.

Elas concordaram e me guiaram à tal loja. Por sorte, vendiam vestidos que pareciam ser lindos. A vendedora me detalhou alguns e trouxe para eu tocá-los. As garotas gostaram da minha escolha. Era um vestido curto de seda, macio, com pequenos detalhes brilhantes e delicados.

- Trouxe o menor que eu tinha. Acho que vai servir em você, porque é bem magrinha. – disse a vendedora e eu sorri.

Helen me guiou até o provador e me ajudou a provar o vestido. Cabia perfeitamente no meu corpo. Elas exclamaram que estava maravilhoso e que eu deveria levar. Após pagarmos, fomos famintas até a praça de alimentação. Ignorando o fato de que eu encontraria aquele garoto novamente, agi naturalmente para pegarmos um sorvete e sentarmos para conversar e comer.

- Helen, me diga uma coisa. Tem um garoto me olhando?

As duas se remexeram na cadeira e eu não sabia o que estava acontecendo. Se elas estavam trocando olhares ou se estavam procurando o garoto pela praça. Fiquei nervosa e apenas continuei comendo meu sorvete, inquieta.

- Sim. – respondeu Hel.

- Por quê? – perguntou Yasmin.

- A outra vez que vim aqui, eu estava com minha mãe e ela me disse que ele ficou me olhando até eu ir embora. Vocês por acaso conhecem ele de algum lugar?

- Não. Ele trabalha naquele restaurante? Eu posso pedir o número dele pra você.

- Sim ele trabalha naquele restaurante e não. Eu não quero que você pegue o número dele. Você está louca Helen?

- Só achei que ele bonito e que talvez se importe com a sua beleza e não com o seus...

- Olhos. – completei bufando.

- Ou você prefere que ele venha falar com você? – perguntou Yasmin.

- Estão pirando, não é? Vamos dar o fora daqui antes que eu bata em alguma de vocês. – murmurei brincando e as duas me acompanharam rindo.

Notei que tudo ficou silencioso. Tudo bem, elas estavam só admirando os garotos que passavam e ficavam jogando charme pra cima deles. Era normal pra mim. Ignorei antes que chegássemos ao estacionamento eu parei.

- Vamos dar uma passada no banheiro?

Sem nenhuma resposta, elas me guiaram até o banheiro e eu no meio do caminho levantei os braços, irritada.

- Porque diabos vocês não estão falando nada?!

Helen largou meu braço e ficou parada.

- Certo. O que está acontecen...

Alguma coisa estava bem errada. No momento que eu pensei em apenas voltar ao banheiro e chingá-las, alguém me interrompeu com um beijo. E naquele instante eu percebi que quem me guiava não era Helen e sim um garoto que eu já desconfiava quem era.

- Daniel.

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